Crítica
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Sinopse
Em O Clube das Mulheres de Negócios, no mundo onde essas mulheres se encontram, os estereótipos de gênero estão invertidos. Ou seja, elas que ocupam as posições de poder, enquanto eles são criados para serem socialmente submissos. Selecionado para o 52° Festival de Cinema de Gramado (2024).
Crítica
Anna Muylaert parte de uma premissa curiosa para elaborar a história de O Clube das Mulheres de Negócios: e se o mundo aqui apresentado agisse por meio de uma lógica invertida a respeito dos papeis de cada gênero na sociedade contemporânea? Ou seja, ao se colocar diante de uma galeria de fotos de antigos presidentes do lugar que dá nome ao filme – e é também onde se passa a maior parte da trama – o recém-chegado se depara com uma lista extensa de mulheres brancas, e não de homens (como costuma ser o caso). Na hora do almoço, são rapazes de roupas sumárias e coladas ao formato do corpo que cuidam de atender os convivas, ao invés de garotas curvilíneas. São eles que sofrem por imaginar que suas mulheres estão lhes traindo, e para contentá-los elas lhes presenteiam com bolsas novas ou viagens ao exterior. São as mulheres que, em condições de poder, desfilam com jovens muito mais novos e atraentes ao seu lado, e não o contrário. Se o espectador é pego de surpresa por essa mudança de ótica, entende-se também que nem tudo o que é proposto acaba funcionando de acordo com o esperado. Mesmo assim, a provocação é válida, garantindo uma atenção diferenciada ao conjunto.
Cesárea (Cristina Pereira, no domínio de uma figura tão agradável, quanto desprezível) é a diretora do autoproclamado Clube das Mulheres de Negócios. Numa segunda-feira qualquer, dia que normalmente o espaço estaria fechado, decide convocar algumas das suas mais próximas amigas e associadas para lhes propor uma nova oportunidade de investimento. Por qual razão a reunião deveria ser feita naquele dia específico, longe dos olhares dos demais frequentadores da sede, não chega a ser explicado. Certamente, não se deve a um interesse de manter a negociação por debaixo dos panos, uma vez que metade das empresárias reunidas estão envolvidas com imbróglios com a polícia e com a justiça, acreditando-se estarem acima da lei e da ordem. Outro fator que comprova a despreocupação delas em despertar olhares alheios foi aceitarem, para a mesma ocasião, a visita da imprensa – um jornalista e um fotógrafo – que deve realizar uma reportagem que elas esperam que colabore em limpar suas imagens públicas, ao mesmo tempo em que eles se mostram comprometidos em revirarem certos assuntos, um tanto, “delicados”.
Muylaert é conhecida por fazer um cinema que transita perigosamente próximo do absurdo. Alguns dos seus títulos anteriores, como Durval Discos (2002) ou É Proibido Fumar (2009) ultrapassavam essa linha em um ou outro momento. Desde o aclamado Que Horas Ela Volta? (2015), no entanto, parecia ter deixado de lado essas inquietações, por vezes gratuitas, em busca de uma audiência mais ampla. Porém, em O Clube das Mulheres de Negócios, volta com tudo a investigar esse modelo de narrativa. Nada é o que parece ser, e a todo instante o espectador é convidado a racionalizar o que vê, questionando se aquilo que soa tão despropositado o é apenas por mulheres e homens estarem em situações inversas, e caso fosse o oposto, como de fato se dá no cotidiano, o mesmo não seria aceito sem grandes complicações ou questionamentos. Assim como uma das personagens em certa passagem indaga, essa problemática vem da formação do Brasil enquanto país, dos abusos que permearam essa nação desde tempos imemoriais. E se assim sempre foi, o que as levaria a uma mudança agora, depois de tantos perdões e esquecimentos?
É interessante também perceber que, num filme composto por um elenco de notáveis nomes femininos, que vão desde estrelas consagradas, como Irene Ravache (que merecia maior destaque) e Ítala Nandi (resignada a um tipo sem desdobramentos), até revelações, como Polly Marinho (injetando tensão quando o todo se aproxima do deboche) e Katiúscia Canoro (talvez a mais afiada em sua crítica visual), sejam dois homens os verdadeiros protagonistas. Rafael Vitti é o repórter que não é levado a sério – seja por dancinhas nas redes sociais ou pela familiaridade com as mulheres no comando da ação – e a fragilidade de seu personagem por vezes se confunde com a escassa versatilidade do intérprete, que não compromete quando em sua zona de conforto, mas deixa claro suas limitações no instante em que lhe é exigido ir além. Bem diferente se mostra Luis Miranda – certamente o que mais entrega no grupo presente – que vai do espanto a se deixar ser seduzido, do terror à determinação em vencer os obstáculos que diante dele se apresentam.
Assim como toda Casa Grande, a geografia deste oásis de aberrações também esconde segredos por debaixo dos panos, sejam nos bastidores, por onde circulam apenas os serviçais a espera de uma chance de revolta, ou mesmo nos porões escuros, de onde se enganam aqueles que ninguém os escuta. E quando as maiores violências transcorrem a luz do dia e sem que ninguém esboce reação contrária, será a selvageria daqueles que geralmente são menosprezados que se encarregará de impor uma ordem aos acontecimentos. É como se o mundo – ou a natureza, pode-se dizer – tivesse sua própria forma de agir, e desse alcance ninguém consegue escapar. Anna Muylaert sabe quais assuntos trazer à tona e por quais pontos deve transitar, e mesmo que aqui ou ali se demore em demasia ou mesmo incorra em reviravoltas que poucos agregam à discussão, é certo que O Clube das Mulheres de Negócios é uma obra da qual não se sai indiferente. Para o bem, ou para o mal, independente da leitura ou reflexão resultante deste encontro.
Filme visto durante o 52º Festival de Cinema de Gramado, em agosto de 2024
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