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Sinopse
O Aprendiz se passa nos últimos anos da década de 1970 e no início dos anos 1980, quando o empresário Donald John Trump (Sebastian Stan) ganha fama no mercado imobiliário. Ainda que inexperiente, o excêntrico sujeito é ambicioso. Apadrinhado pelo influente advogado Roy Cohn, é introduzido aos principais círculos nova-iorquinos.
Crítica
Refletir sobre O Aprendiz após sua primeira exibição pública, durante o Festival de Cannes, em maio de 2024, certamente gerou diferentes impressões das proporcionadas seis meses depois, em novembro do mesmo ano, quando Donald Trump foi consagrado nas urnas como o 47o presidente dos Estados Unidos. Se antes era possível se deparar com o longa do iraniano Ali Abbasi num misto de alerta com uma confirmação do muito que há tempos vem sendo dito a respeito do biografado, a leitura posterior deverá levar o espectador a questionar até mesmo o suposto poder transformador da arte – e do cinema em particular. Será que não assistiram a esse filme – ou, ao menos, a tudo que foi dito e explorado na mídia, em redes sociais, jornais e programas de rádio e de televisão? Ou, pior ainda: sim, confrontaram tais informações, e decidiram deliberadamente ignorá-las, ou ao menos não levá-las em consideração? Desprezar o que aqui ganha o centro das atenções fala mais sobre o triste estado das coisas de hoje do que a respeito da narrativa que busca se debruçar sobre a história deste homem que, pelo bem ou pelo mal, segue sendo visto, discutido, celebrado e atacado – em iguais proporções.
Abbasi despertou curiosidade internacional com Holy Spider (2022), suspense premiado em Cannes e escolhido como representante oficial da Dinamarca no Oscar. Após ser cooptado por Hollywood (dirigiu alguns episódios da série The Last of Us, 2023), voltou aos holofotes com essa cinebiografia dos primeiros anos de Trump, justamente os encontros e alianças que foram fundamentais durante sua formação e permitiram adquirir a estatura que hoje desfruta nos círculos de poder. O formato assumido é bastante convencional – não mais do que alguns meses resultam em uma amostra suficiente para entender tal figura. Por um lado, é sábia a escolha do roteirista Gabriel Sherman (que estreou com o desnecessário Independence Day: O Ressurgimento, 2016, mas se recuperou com a minissérie The Loudest Voice, 2019, pela qual foi indicado ao prêmio do Sindicato dos Roteiristas) em evitar discursos expositivos e cenas explanatórias, que serviriam apenas para pontuar o passo a passo dessa ascensão. Por outro lado, há um esforço generalizado em copiar situações publicamente conhecidas, o que torna difícil ao todo se distanciar da realidade e se assumir como a ficção que, de fato, é.
Então, uma vez ciente que essa é a visão de Abbasi e de Sherman sobre um homem público e conhecido – não apenas ainda vivo, mas em plena atividade (que, aliás, tentou impedir o lançamento comercial desta obra) – as relações entre a fantasia e a realidade vão gradualmente se estreitando. Para começo de conversa, há a questão do nome. O Aprendiz foi um reality show apresentado por Trump entre 2004 e 2017 que teve quase 200 episódios e lhe rendeu duas indicações ao Emmy – ou seja, ninguém pode dizer que o programa não era popular. Porém, não é essa a questão abordada por aqui. Afinal, a trama se passa quase que inteiramente entre as décadas de 1970 e 1980. Estes podem ser apontados como os “anos formativos” do empresário e apresentador. Época na qual ele próprio foi pupilo de alguém ainda mais maquiavélico e perverso em sua visão de mundo: Roy Cohn.
Para quem não está ligando o nome à pessoa, uma breve recapitulação: Cohn foi uma das figuras mais detestáveis da cena política norte-americana durante a segunda metade do século XX. Essa, aliás, está longe de ser sua primeira incursão pelo “faz-de-conta” de Hollywood. Sua presença foi fundamental em minisséries como Angels in America (2003) – quando foi interpretado por ninguém menos do que Al Pacino – ou na mais recente Companheiros de Viagem (2023) – vivido por Will Brill, de Maravilhosa Sra. Maisel (2017-2023). Tanto numa, como noutra, era visto como o mal encarnado, um tipo complexo e contraditório, capaz de levar seus protegidos aos céus – e seus desafetos, ao inferno. A partir do momento em que conhece Trump, a vida deste se transforma: de filho de um tímido homem de negócios do ramo imobiliário, se torna um gigante influente e com atuação nacional. Mas cobra, uma vez criada, é capaz de se voltar até mesmo contra aquele que lhe alimenta. Trump não chega a ser idiota a ponto de atacar a mão que lhe é estendida. Mas no exato momento em que essa deixa de lhe ser interessante, simplesmente ignorá-la não lhe exige maiores esforços. Esquecer quem um dia lhe ajudou e visualizar diante de si as coisas não como elas são, mas de acordo com o seu querer e sua imaginação, passa a ser seu verdadeiro mantra.
Para qualquer um que acompanhe o noticiário internacional, O Aprendiz tem pouco a acrescentar ao muito que já se sabe. Os que conseguem aplaudir um ser tão problemático – para dizer o mínimo – e tem olhos apenas para o próprio umbigo, dificilmente se deixará convencer pelo que aqui ocupa maior parte da ação. Já os demais, no espectro oposto desse debate, irão se deparar com muito daquilo que, se não conheciam, ao menos desconfiavam. Há de se apontar, porém, os trabalhos superlativos dos protagonistas, interpretados por Sebastian Stan (Trump) e Jeremy Strong (Cohn). Por mais comprometidos que estejam, seja pela reprodução de gestos e figurinos, como no entendimento dos personagens que estão sob suas responsabilidades, ambos haviam percorrido tais caminhos em projetos anteriores (Stan em Um Homem Diferente, 2024, pelo qual foi premiado no Festival de Berlim, e Strong na série Succession, 2018-2023, cuja atuação lhe rendeu um Emmy). Ou seja, independente do foco, o material é rico, mas não necessariamente inédito – ou ao menos original. Feito para contentar os convertidos, deve se mostrar irrelevante aos demais. Talvez a mediocridade seja um destino justo – ainda que inesperado – para a cinebiografia de alguém capaz de gerar tanto barulho, mesmo com tão pouco em mãos.
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