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Sinopse

Em plena década de 70, Ron Burgundy é dos mais famosos âncoras de telejornais de San Diego. Ele trabalha ao lado de Veronica, que fica apenas com matérias relacionadas à cozinha e de interesse feminino. Querendo mais espaço, Veronica passa a duelar com Ron e os dois iniciam uma verdadeira guerra nos bastidores sobre quem deve ser o principal âncora do telejornal.

Crítica

Há comédias e besteiróis no cinema. Geralmente as primeiras, quando bem realizadas, são aplaudidas pelo público e pela crítica. Já as do segundo gênero (ou subgênero, dependendo do ponto de vista), mesmo que possam fazer sucesso nas bilheterias, de uma forma geral, acabam sendo arrasadas pela crítica. Muitas vezes, pode ser compreensível. Porém, às vezes surge uma produção tão absurda, mas tão bem realizada ao mesmo tempo, que é impossível não aplaudir o esforço de seus realizadores em presentearem o público com o deboche total e a escatologia sem medidas e sem o menor pudor. É o caso de O Âncora: A Lenda de Ron Burgundy.

Ron (Will Ferrell) é o apresentador de televisão mais conhecido da região. Dono de uma pompa que o eleva ao status de estrela, e não um simples jornalista, o âncora é querido por todos, um verdadeiro pegador de mulheres, amigo de todas as pessoas da alta sociedade. Porém, a audiência está caindo e a emissora resolve contratar uma jovem jornalista, Veronica Corningstone (Christina Applegate), para dividir a bancada com Ron. O que, obviamente, vai gerar uma guerra dos sexos com direito a paixão entre tapas e beijos (literalmente nas duas formas).

O jornalismo talvez nunca tenha sido alvo de tanto escárnio quanto neste longa. E o mais engraçado é que, realmente, a caricatura faz jus ao modus operandi do que acontece nos bastidores do telejornalismo. Ron é o legítimo âncora burro feito uma porta, que lê tudo que está no teleprompter - mesmo que não entenda nada ou que esteja errado (o que vira a piada de uma das cenas) - arrogante, falso com risadas forçadas e o tom de voz empostado como se vivesse apresentando programas 24 horas por dia. O próprio programa de tevê retratado mostra como o jornalismo se perde na sua busca pela notícia, preferindo veicular casos irrisórios ou inusitados (e que geram mais audiência, obviamente), como a maior torta do mundo, do que realmente cumprir seu papel de informar o público. Uma crítica mais do que bem-vinda em tempos de sensacionalismo e barbárie constantemente televisionadas.

Uma das façanhas de O Âncora é saber ambientar e tocar (mesmo que superficialmente) em assuntos importantes e polêmicos, como o crescimento do papel da mulher na sociedade nos anos 1970, sem perder o bom humor, satirizando a tudo e a todos. Ainda mais porque o elenco totalmente afiado não deixa perder o timing em nenhum momento. É difícil dizer quem está melhor além do protagonista e de sua amante. Steve Carell, no entanto, rouba a cena toda vez que aparece como o colega de dois neurônios que, além de nunca entender nada, sempre faz tudo errado, numa satirização do revés do geek.

E se por um lado o elenco predominantemente masculino mantém o escracho total, a sutileza da belíssima Christina Applegate (mais conhecida por seus papéis na televisão como as séries Samantha Who?, 2007-2009e Up All Night, 2011-2012, e também por ser a irmã de Rachel em Friends, 2002-2003) poderia ficar apagada, mas, na verdade, serve como contraponto aos rapazes, não menos certeira em suas tiradas. Sua química com Ferrell é notável em cada momento que os dois dividem a tela na brincadeira de gato e rato que conduz o fio narrativo da trama.

Em uma das cenas mais engraçadas, Ron e sua rival xingam um ao outro com os termos mais chulos possíveis enquanto os créditos do telejornal ainda estão no ar. Isto, é claro, com os dois sorrindo como se nada estivesse acontecendo. Também não dá para deixar de lado a "épica" batalha entre as gangues das emissoras rivais, um atentado ao bom gosto. Mas quem disse que o filme tinha o propósito de manter a moral e os bons costumes? Tudo é assumidamente jogado na privada, o que eleva os méritos da produção por não tentar enganar a ninguém, nem público ou crítica, sobre suas verdadeiras intenções.

O Âncora não é um filme que se possa recomendar para quem prefere algo mais sério e profundo ou, simplesmente, para quem não gosta de besteiróis. Porém, para quem estiver disposto a dar boas risadas por 90 minutos, mesmo que esqueça do longa assim que terminar de assisti-lo, é uma excelente pedida. Pode até haver alguns momentos em que o espectador pense: "mas quanta idiotice". E é este o propósito. Muito bem cumprido.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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