Crítica
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Sinopse
Dentro da propriedade, um casamento repleto de pompa e circunstância. Do lado de fora, uma convulsão social. Esses dois mundos se chocam de forma violenta.
Crítica
As desigualdades fazem a violência irromper aos borbotões em Nuevo Orden. Numa festividade de casamento – circunstância vista como ocasião para (re)afirmar contratos entre membros da burguesia –, a perturbação surge das ruas. A Cidade do México se encontra convulsionada por amplas revoltas populares que redundam em mortos, feridos e num princípio de caos social. Dentro dos limites da propriedade abastada, tudo corre como se a realidade externa não estivesse ao ponto de entrar em erupção. O cineasta Michel Franco pontua didaticamente diferenças de posição e tratamento conforme as etnias. Os endinheirados são brancos, resquícios da dominação europeia configurada como uma das tragédias históricas da América Latina. Os subalternos apresentam inexoravelmente os traços dos povos originários, daqueles que viviam no território mexicano antes que ele fosse “descoberto” pelos invasores. A presença da tinta verde escorrendo das torneiras sinaliza que algo sugere bagunçar esse coreto repleto de protocolos e pressupostos de superioridade racial.
Até o suspense é subordinado às mensagens em Nuevo Orden. Tudo é devidamente pontuado e reafirmado na metade inicial, em que a reivindicação do antigo funcionário surge como estopim de outro drama. Rolando (Eligio Meléndez) implora aos patrões de antes o empréstimo de uma quantia de dinheiro que aos seus módicos ganhos torna proibitiva a cirurgia salvadora da esposa. Há toda uma demonstração de frieza, vide as pessoas afortunadas mais preocupadas com a harmonia da festividade do que necessariamente tocadas pela possibilidade iminente de uma vida de extinguir. Quiçá a fim de evitar a generalização de classe, o realizador mostra a empatia da noiva, ela que move mundos e fundos para reparar a falta de consideração dos pais e do irmão, algo certamente extensível a boa parte dos amigos, isso caso se eles fossem atrelados ao dilema. Ela escapa da carnificina exatamente por ser justa e humana, mas é pega adiante pela capacidade impressionante do fascismo de encontrar brechas para supostamente aliviar o medo das elites, custe o que custar (aos outros).
Michel Franco começa reduzindo a uma dinâmica “nós contra eles” a secular tensão social do México. Entretanto, a simplificação é coerente com a construção catártica e afeita aos arquétipos, em que a agressividade do oprimido surge como consequência tardia, mas inevitável, da ação classicista e brutal das classes dominantes. Tal como acontecera em Parasita (2019) – temos um padrão aí no cinema contemporâneo? –, chega um momento em que homens e mulheres cansam de ser humilhados. O escorregão grave do filme está no que fazer após a reafirmação dessa imaginação, na sua chave próxima da parábola com ares de distopia. Nuevo Orden até ali desenha os inconciliáveis mundos branco e originário em choque. Quando é instaurada a realidade nominada com o título do longa, a presença de descendentes de indígenas entre os soldados do exército que toma de assalto a sociedade mexicana cria um ruído. Estamos diante de um regime autoritário na esteira das reivindicações populares ou do Estado vendendo repressão travestida de paz?
A segunda opção se mostra verdadeira. Contudo, Michel Franco não confere consistência às novas diretrizes restritivas. Também soa incongruente que em tão pouco tempo um país consiga implementar regras coletivas, como, por exemplo, critérios de empregabilidade e a limitação da circulação de pessoas nas ruas. Na metade final de Nuevo Orden, semelhante à inaugural no que tange à disposição por afrontar o espectador com os resultados das violências, essa subserviência à mensagem é escancarada basicamente pela ausência de um apuro no delineamento da reconfiguração. A intenção de Franco, além de fustigar as tensões étnico-sociais que permeiam o cotidiano dos mexicanos, parece ser reafirmar o que diz um dos personagens de O Leopardo, livro de Giuseppe Tomasi di Lampedusa que virou um clássico dos cinemas sob a batuta de Luchino Visconti: “Algo deve mudar para que tudo continue como está”. Esses objetivos são claros, insistentemente reiterados e marcados em cenas angustiantes, mas falta densidade para superar certa superficialidade de conferir à catarse o papel de catalisadora máxima dessa sociedade, a despeito dos regimes, fadada a andar em círculos viciosos.
Filme visto online na 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2020.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 5 |
Chico Fireman | 4 |
Alysson Oliveira | 3 |
Ailton Monteiro | 4 |
Daniel Oliveira | 4 |
MÉDIA | 4 |
Gostei muito. Lembra bastante Parasita