Crítica

Em Neve Negra, longa de estreia do diretor Martin Hodara, fala-se muito sobre o pai, o irmão caçula e a irmã. Curiosamente, são estes também os que menos vemos e dos quais pouco ficamos sabendo – os homens mal aparecem, apenas em flashbacks, enquanto que ela é vista no presente apenas em uma sequência. Tudo que sabemos destes três vem das interações que surgem entre outro trio, formado pelo irmão mais velho, o do meio e a atual esposa deste. Os dois últimos, há anos morando na Espanha, estão de volta à Argentina após a recente morte do patriarca, e terão que lidar com o primogênito, que há um bom tempo vive no meio da Patagônia, afastado de tudo e todos. Há muitos segredos nesta família, e desvendar esses mistérios é tarefa não só dos espectadores, mas também dos próprios personagens. Lamenta-se, no entanto, que tais resoluções não estejam à altura das expectativas geradas pelo cenário desenhado.

Martin Hodara fez sua primeira incursão por trás das câmeras dividindo os créditos da direção com ninguém menos do que Ricardo Darín no thriller noir O Sinal (2007). E ainda que antes disso tenha sido assistente de direção de projetos de destaque como Nove Rainhas (2000) e Sete Anos no Tibet (2007), nos dez anos que separam seus dois trabalhos como realizador, em conjunto e em voo solo, ele se manteve afastado dos holofotes. E não se pode dizer que este distanciamento lhe tenha sido totalmente benéfico. Afinal, em Neve Negra ele retorna de forma menos ambiciosa – O Sinal era muito mais refinado, tanto em trama quanto em visual – reeditando a parceria com seu colega mais famoso, o galã Darín, como se temesse assumir novos riscos sem uma rede de segurança ao seu lado. Este, por outro lado, se sai melhor, pois ao menos escapa de sua zona de conforto ao compor um ser carrancudo e de poucas palavras, distante do tipo que o ator tem defendido nos últimos anos.

Darín é Salvador, o irmão mais velho. Apesar do destaque que seu nome merece, ele é um coadjuvante em Neve Negra. O verdadeiro protagonista é Marcos, o irmão do meio, vivido por Leonardo Sbaraglia (mais uma vez como uma figura fraca e de moral questionável, como nos recentes O Silêncio do Céu, 2016, e No Fim do Túnel, 2016). Os dois já haviam dividido os créditos dos sucessos O Que Os Homens Falam (2012) e Relatos Selvagens (2014), porém esta é a primeira vez que aparecem juntos em cena. E o embate destes que são os maiores nomes do cinema argentino atual ao menos justifica algum tipo de atenção. O mais novo retorna à casa, acompanhado pela esposa (Laia Costa, de Victoria, 2015), para decidir o que fazer com o imenso terreno que herdaram. Vender é a melhor opção – há investidores estrangeiros interessados e dispostos a pagar milhões. Mas Salvador, a quem não veem há anos e que mora no local, estaria disposto a sair de lá e concordar com o plano? Pois, o que logo percebemos, foi justamente uma discordância de tantos anos antes, entre o não-dito e o apenas subentendido, que afastou de vez os irmãos.

Sim, pois além dos dois, ainda há Sabrina (Dolores Fonzi, em participação especial), a irmã, que se encontra internada em uma instituição de saúde mental. Marcos a busca, quer saber como ela está, mas, mais do que isso, deseja obter qualquer informação antecipada sobre o irmão que estiver ao seu alcance. Mas ela nada sabe, e o pouco que lhe diz são pistas desencontradas. O foco do problema entre eles, logo descobre-se, pode estar nela. Mas a solução – e a origem – encontra-se, definitivamente, entre os dois homens que, uma vez tão próximos, hoje não poderiam estar mais afastados. O branco da neve infinita que os circunda, a mata cerrada que tanto esconde quanto revela e as poucas palavras – e muitos olhares – que trocam assim que se veem juntos tem muito mais a dizer do que qualquer diálogo educado poderia revelar.

Também escrito por Hodara, desta vez em parceria com Leonel D’Agostino (Puerta de Hierro: El Exilio de Peron, 2012), Neve Negra constitui sua trama quase por completo na capacidade que estes poucos personagens possuem (ou não) de guardarem um segredo. E ainda que este esteja diretamente ligado aos seus destinos, tanto ontem quanto agora, o fato é que parece dizer mais sobre aqueles que já foram – o pai que morreu na ignorância, o caçula que sabia demais, a irmã traumatizada pelos homens de sua vida – do que sobre aqueles que hoje precisam lidar com suas consequências. O quebra-cabeça proposto pelo diretor não chega a ser dos mais engenhosos, e ainda que a ambientação seja convincente, seu desenlace revela-se, se não previsível, pouco estimulante. Como resultado, tem-se um filme que vale mais pelo que reúne, pois fica evidente ter algo de bom aqui, do que entrega, já que a reunião destes elementos resvala em escolhas fáceis e em soluções pouco elaboradas, reduzindo o impacto que, com maior esforço, poderia ter sido alcançado – e muito almejado.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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Grade crítica

CríticoNota
Matheus Bonez
8
Leonardo Ribeiro
5
MÉDIA
6

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