Crítica


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Sinopse

A trajetória do humorista e sambista Antônio Carlos Bernades Gomes, o "Mussum", é contada de diferentes ângulos. São reveladas facetas mais sérias da figura que foi eternizada no imaginário popular brasileiro por sua participação no programa Os Trapalhões. Por trás de sua persona humorística e debochada, Antônio Carlos mantinha uma rotina de responsabilidades com sua família, projetos e compromissos.

Crítica

Nascido no dia 7 de abril de 1941 em uma favela num dos tantos morros do Rio de Janeiro, Antônio Carlos Bernardes Gomes parecia predestinado a se tornar uma pessoa especial. Filho de uma empregada doméstica analfabeta, foi um garoto que, mesmo sem perder uma roda de samba ou brincadeiras com os amigos, esteve também na sala de aula, a ponto não só de se formar, como também ensinar a própria mãe no processo – que o acompanhava nas lições de casa e, assim, aprendeu a ler e a escrever ao seu lado. Esta é apenas uma das tantas histórias reveladas em Mussum: Um Filme do Cacildis, documentário de Susanna Lira que se encarrega não apenas de investigar quem foi o músico e trapalhão por trás da figura que tanto sucesso fez quando vivo, mas como pode ele, mesmo vinte e cinco anos após a sua morte, seguir sendo tão popular e celebrado. Uma ambição que, mesmo não sendo atingida na sua totalidade, revela méritos inegáveis dentro de um esforço orgânico que vai além da mera matemática.

Narrado por Lázaro Ramos – que também atuou como consultor do roteiro – Mussum: Um Filme do Cacildis surge num momento de redescoberta do personagem. O carisma inabalável que exibia como um dos integrantes de Os Trapalhões o levou a se eternizar de uma forma que seria difícil de imaginar antes da sua morte. Ele foi, afinal, o primeiro grande artista negro da televisão brasileira – nomes como Grande Otelo (o responsável pelo apelido de ‘Mussum’) e Milton Gonçalves (que é um dos entrevistados) vieram antes e possuem importância inegável, mas nenhum foi tão conhecido e aplaudido pelo grande público quanto ele. Do início da carreira, como músico e cantor, até a fama como membro do grupo Os Originais do Samba, há muito a ser descoberto que talvez os seus fãs e admiradores de hoje não façam a menor ideia. Lira está atenta a isso, e não se isenta em ir atrás destes dados a respeito do passado do artista.

Pode ser por isso, no entanto, que se ressinta a falta de mais espaço sobre sua participação como um dos quatro Trapalhões. Sua atuação como comediante não é deixada de lado – e nem teria como, afinal, muito da notoriedade que seu nome carrega até hoje se deve a esta parte das suas atividades – mas ela parece minimizada diante do impacto que deixou. Renato Aragão e, principalmente, Dedé Santana estão presentes, e contribuem de forma pontual. Santana, aliás, confirma a imensa amizade que os unia, e tanto ele quanto Didi são bastante ternos em suas lembranças do antigo parceiro e colega. No entanto, não há muitas novidades em suas falas. A impressão de que Mussum foi um homem e profissional sempre muito sincero, fiel aos amigos e aos (muitos) amores meio que se confirma, pois segredos e indiscrições são deixados de lado sem grandes cerimônias.

Porém, Mussum foi mais do que aquilo que ele mesmo permitia o público tomar conhecimento. Algo que talvez poucos saibam, e que aqui é explorado com cuidado, é o fato dele ter tido cinco filhos, cada um de uma mãe diferente. Os descendentes foram chamados, e cada um tem seu momento diante das câmeras. Mas não os vemos juntos, e muito menos ouvimos falar daquelas que lhes deram a vida. Como eram as relações delas com o biografado, ainda mais que ele se casou apenas uma vez? Sabe-se, ainda, que atualmente os cinco, em conjunto, administram o nome do pai em diversos tipos de empreendimentos, de marcas de cerveja a linhas de roupas. Informações citadas, mas nunca aprofundadas. Qual a função de cada um, o que pode ou não levar o rosto do humorista e qual a relevância destes negócios nas vidas dos descendentes são dúvidas pertinentes, à espera de um olhar mais profundo, mas que não chegam a ganhar a atenção devida.

Há um porém importantíssimo, que é o tipo de humor que Mussum fazia, que seria quase impossível nos dias de hoje. Autor de frases e jargões como ‘preto é o teu passadis’ ou ‘te dou casa, comida, roupa lavada e três milhão por mês, fora o bafo’, o adorador de mé teria dificuldade em fazer rir plateias como as atuais, impregnadas por um viés politicamente correto – ou por um conservadorismo alarmante – que não teriam como dissociar tais afirmações da realidade da população negra. Lira faz bem em chamar o cineasta Joel Zito Araújo para opinar a respeito, e o próprio tom assumido por Ramos mostra que a ironia nunca deixou de se fazer sentir. Mesmo assim, tem-se muito a discutir em tão pouco tempo – o filme tem não mais do que setenta e poucos minutos. Ou seja, fala-se de tudo – o cenário levantado é abrangente, dinâmico e de fácil envolvimento – porém bastante pincelado, sem os desdobramentos que alguns elementos talvez merecessem. É uma escolha, obviamente – afinal, estamos falando de um homem que viveu do humor, o que justifica essa busca por uma leitura mais leve – mas não deixa de ter o seu preço.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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