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Sinopse

Uma autora chega em uma pequena vila no sul do Brasil com a intenção de transformar a vida de Emelyn em uma narrativa ficcional. Quanto mais a autora provoca Emelyn com suas câmeras, mais Emelyn se torna Bernardo, um adolescente dividido entre viver o seu desejo e continuar desejando.

Crítica

O interior do Rio Grande do Sul é um cenário caro a Ismael Caneppele. Nascido em Cruzeiro do Sul, ele se mudou mais tarde para Lajeado, onde ambientou a trama de seu livro Os Famosos e os Duendes da Morte, que virou filme pelas mãos do cineasta Esmir Filho, e também o homônimo literário e base deste Música Para Quando as Luzes se Apagam, cujo universo é igualmente o dos jovens. Todavia, uma vez assumida por ele mesmo a direção, as lentes são voltadas para uma trama bem mais particular, com uma linguagem corajosa, sobretudo em se tratando de um estreante na função, mas vitimada pela necessidade nem sempre justificada de desconstruir uma ideia mais clássica e comum de narrativa cinematográfica. A embalagem é mais próxima a do documentário, com aparentes desleixos de enquadramento – milimetricamente calculados para emular a autenticidade do amadorismo – e um desapego à progressão dramática no sentido mais ordinário. É uma obra feita da fricção dos fragmentos.

Música Para Quando as Luzes se Apagam é protagonizado por Emelyn, alguém numa determinante fase de descoberta identitária. Em meio aos anseios da adolescência, ela aparentemente passa por um processo de aceitar-se homem, de assumir fisicamente os traços que sua personalidade torna incontornáveis. Uma mulher, interpretada por Julia Lemmertz, funciona parcialmente como guia por esse caminho, arguindo sua singularidade com a câmera, de certa maneira utilizando o cinema e suas potencialidades para, no desenrolar de uma investigação artística, auxiliar a menina a decifrar-se. O realizador estabelece, de cara, essa ligação de afetividade, mostrando-nos a forasteira entrando no cotidiano alheio, fazendo um caminho inverso ao da pesquisa pura e simplesmente detida em constatações, exatamente porque pretensamente seu trabalho auxilia a quem, a priori, supostamente serviria apenas como objeto de estudo fílmico não bem determinado. Porém, o virtuosismo artificial mina as boas possibilidades do argumento.

Ao resolver os aspectos mais primários, apresentando, ainda que fragilmente, a relação entre os personagens de Música Para Quando as Luzes se Apagam, Ismael Caneppele sucumbe a um itinerário que alterna registros praticamente ininteligíveis, muitas vezes, pelo deliberado aspecto borrado do visual, e sequências cuja plasticidade é evidente, mas servidora somente de intentos estilísticos que, de alguma forma, asfixiam a sua própria beleza. Ao contrário da primeira cena do longa-metragem, que realmente nos captura pela exuberância fotográfica, as subsequentes, com bem-vindas, porém esparsas, exceções, obedecem a um esteticismo praticamente estéril. Em meio ao percurso imagético irregular, no qual ocasionalmente a busca por parecer informal ou algo que o valha provoca a sensação de genuinidade imprescindível ao sucesso da proposta, surgem planos estruturalmente opostos, justamente pela tentativa de alcançar o belo forçosamente, como interlúdios de epifania.

No decorrer da “trama”, figuras vão perdendo representatividade e força em função de uma porosidade expressiva insuficientemente para justificar as incongruências. A personagem de Julia Lemmertz, por exemplo, passa um bom tempo desaparecida, para voltar logo depois à baila, quando os desdobramentos são condicionados pelo obscurecimento dos caminhos anteriormente propostos. Tentando tornar alegórica e um tanto lúdica a trajetória de Emelyn rumo ao conhecimento de si, Ismael Caneppele demonstra falta de jeito para misturar instâncias que, talvez, nas mãos de um cineasta experiente poderiam se imbricar mais satisfatoriamente. Música Para Quando as Luzes se Apagam transmite, em diversos momentos, uma sensação de aleatoriedade, disfarçada de sensorialidade, como se os planos estivessem desarranjados por conta da ausência de habilidade de quem tentou dispô-los e, posteriormente, justapô-los com pretensos efeitos expressivos para falar de juventude e do eu.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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