Crítica
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Sinopse
Crítica
É curiosa a opção brasileira de batismo para esse longa que marca a estreia no formato do cineasta italiano Francesco Costabile. Afinal, está em questão justamente a individualidade dessa garota que toma a decisão de se rebelar contra absolutamente tudo ao seu redor em nome de um senso de justiça que acredita ser o correto, ainda que suas dúvidas permaneçam durante maior parte da narrativa. Mulheres Rebeldes, ao apostar no plural – algo que não se manifesta em cena, ao menos não de modo simultâneo, pois o máximo que se poderia aferir é o caso de uma filha destinada a repetir os passos maternos – termina por se resignar em uma posição genérica, tal qual obras como As Sufragistas (2015) ou Mulheres ao Poder (2020), entre tantos similares. Mas que o espectador não se permita enganar: há aqui personalidade suficiente para valer não apenas um investimento casual, mas também uma reflexão mais duradoura.
Rosa é a figura solitária que irá se rebelar contra o mundo tal qual sempre o conheceu. Ainda pequena, nas cenas de abertura da história, ao descer as escadas provocada pelos gritos que escuta no andar debaixo da casa que sempre pensou ser sua, se depara com uma porta que logo se fecha. A avó a afugenta, mandando-a de volta para cama. Assim o faz, sem perceber que, por trás da barreira que lhe foi imposta estava a mãe, em seus últimos momentos, acompanhada apenas pelo irmão – tio da garota. A crueldade de imaginar que o fim daquela que lhe era mais próxima estava nas mãos dos familiares era algo que a escapava na infância, mas o passar dos anos não apenas apaga lembranças, como também é capaz de provocar memórias e resgates. Como a tomada dessa consciência. Muito aos poucos, de forma gradual, mas concisa, a jovem começa a se dar conta da real natureza desses que a circundam, das mentiras que sempre ouviu e do quão profundo é o seu envolvimento com essa realidade. Um quadro que depende apenas dela para ser transformado.
Ambientado no sul da Itália, região da Calábria, Mulheres Rebeldes desenvolve sua trama mantendo como pano de fundo o poder e influência da máfia não apenas na localidade em questão, mas, principalmente, naqueles que lá habitam. Além de uma decisão pessoal de fazer ou não parte desse movimento, o que se percebe é que essa ligação é precursora até mesmo à existência de muitos, como o que se vê acontecer com a protagonista. Rosa, mulher e, por isso, partindo de uma posição de fragilidade imposta pelos demais, também vai lentamente descobrindo suas armas e traçando estratégias. A matriarca leva no rosto as marcas não apenas do passar dos anos, mas das derrotas acumuladas, das perdas que se somam, das resignações, desesperos e acordos feitos em nome de um ganho maior. A tia, que parece alheia a tudo, tem suas tristezas e decepções, que empurra a todo custo para debaixo de uma aparente normalidade. Aquele é um mundo de homens – do que assumiu o comando da família, do primo um tanto alienado da realidade, do coveiro que a corteja – e será pelas regras deles que Rosa buscará fazer sua lei e justiça.
Costabile, que até então havia trabalhado apenas com curtas e documentários – duas expressões cinematográficas habituadas a privilegiar ou a objetividade, ou a manipulação das expressões – parte para um registro mais autoral, fazendo uso das luzes e das sombras ao acompanhar essa caminhada em busca da libertação. Por menos que a menina fale, há sempre muito a ser depreendido a partir de cada silêncio, de suas expressões de revolta e concordância, do passo atrás que se vê obrigada a dar, mas no qual irá encontrar o impulso necessário para seguir em frente. O descobrimento do amor e do sexo se dá de forma quase paralela à consciência da perda, do quão sozinha está frente à tamanha adversidade. Há o desejo de vingança, mas este a move somente até certo ponto. A partir dali, será esse ímpeto pelo desconhecido, pelo recomeçar, que fará dela não apenas mulher, mas também alguém aberto ao novo e inesperado.
Baseado no livro de Lirio Abbate, Mulheres Rebeldes foi exibido no Festival de Berlim e indicado ao David di Donatello (o ‘Oscar’ do cinema italiano). Eis aqui, portanto, uma obra de peso, que se coloca tanto como denúncia como, também, exemplo de luta e sofrimento, assim como de vitória e desprendimento. Rosa é apenas uma, mas tantas outras deram os mesmos passos, por mais que os resultados alcançados tenham sido diferentes. Sem apelar a uma violência gráfica – ao menos na maior parte das ocasiões – o filme faz desse poder de sugestão seu diferencial, investindo tanto no horror que tangencia como, por fim, se resignando em apenas apontar os muitos caminhos possíveis a partir do cenário que levanta. A missão de traçar as origens e indicar as consequências se mostra efetiva, permitindo uma construção coletiva com a audiência, que assume a responsabilidade de ir por conta própria até o desfecho que mais lhe provém. Parece pouco, mas diante de tamanha aridez, é o alento capaz de almejar uma profundidade insuspeita, mas nunca desprezível.
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