Crítica


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Sinopse

Madalyn Murray O'Hair decidiu lutar contra a religiosidade de seu país nos anos 1960. Ateísta, ela tinha como objetivo criar uma sociedade laica e conseguir que a Suprema Corte dos Estados Unidos derrubasse a obrigatoriedade da leitura da Bíblia nas escolas públicas. Por isso, ela foi vítima de muito ódio e perseguição.

Crítica

O feminismo não se trata de uma luta pela superioridade das mulheres, mas por um equilíbrio de poder entre elas e os homens. Assim como o racismo é entre os caucasianos e o resto das etnias, e os movimentos de diversidade são entre os heterossexuais e as diferentes orientações. Da mesma forma, essa também é a luta dos ateus e os agnósticos contra todas as outras formas de crença no mundo. Trata-se de reajustar as relações de poder estabelecidas através de milênios de opressão e que, por exemplo, não nos permitem questionar por que, em um país de estado laico e lar de tanta diversidade religiosa, nós, brasileiros, temos um crucifixo católico sobre a insígnia da República no plenário do Supremo Tribunal Federal. Ou, ainda, por que carregamos em todas as cédulas do nosso dinheiro a frase “Deus seja louvado”? Madalyn Murray O’Hair (Melissa Leo) foi uma das pessoas a levantar a voz sobre o assunto, e isso em meio ao conservadorismo político dos EUA pós-Segunda Guerra, sendo imediatamente tachada pela revista Life com a alcunha que dá título a esse filme: A Mulher Mais Odiada dos Estados Unidos.

Poucas pessoas parecem saber, mas, assim como os negros, os pobres, os LGBTQ ou as mulheres (entre outros), os ateus também formam um grupo social oprimido. Acontece que as relações de poder através da história humana sempre foram baseadas em fatores hegemônicos (a predominância de determinadas características culturais, físicas, linguísticas, etc.), que encontraram na religião uma ferramenta poderosa para se disseminar pelo mundo. Portanto, muitas dessas minorias foram convertidas em tais através do dogmatismo religioso, que, se uma vez achou que os índios precisavam ser convertidos ou dizimados, e noutra pensou que seria uma boa ideia perseguir, torturar e matar mulheres curandeiras ou de cabelos ruivos, ao menos sempre foi unânime na opressão a um tipo específico de indivíduo: os céticos. E aí reside uma dubiedade sobre a eficiência ou não do longa-metragem aqui em questão – diria mais, vale até questionar a validade da obra.

Pois o filme acompanha duas linhas do tempo que pouco a pouco vão se encontrando. Primeiro, encontramos Madalyn já idosa, seu filho Garth (Michael Chernus) e a neta, Robin (Juno Temple), sequestrados por David (Josh Lucas), que quer uma quantia de dinheiro em troca da liberdade do trio. Depois, passamos a acompanhar a protagonista já com meia-idade e formada em Direito, quando decide mover um processo contra uma escola no Texas para banir as orações feitas em escolas públicas. E paralelamente a sua situação em cativeiro, desvendamos como Madalyn percebeu o quanto poderia faturar em doações com esse tipo de ação jurídica, fundando posteriormente a Americanos Ateístas, uma organização especializada em defender a primeira emenda da constituição, que garante a liberdade de religião.

Enfim, por um lado, o filme é um acontecimento necessário por colocar movimentos tão importantes quanto o ateísmo em pauta – e não à toa, o estopim de motivação da personagem principal é uma comparação feita pelo filho entre ela e os movimentos negros. Por outro, ele se foca em uma pessoa claramente corrupta. Não quero dizer com isso que o longa devesse ter maquiado a história de Madalyn, tê-la feito soar menos desprezível e maniqueísta – e acho que essa não foi a intenção do projeto em momento algum, basta notar a escalação para o papel de Melissa Leo, acostumada a lidar com tipos antipáticos. Mas, por mais interessante que seja sua história, ela acaba pesando contra o lado desfavorecido na vida real. Para que fique mais claro, é como se alguém, hoje, em pleno governo Trump, fizesse um filme glorificando um soldado estadunidense branco com valores cristãos e patrióticos indissolúveis... Espera, Mel Gibson fez isso. Mas daí percebam quem é Mel Gibson fora das telonas e vão entender o problema todo. Arte não existe sem contexto, principalmente um que é político.

Entretanto, A Mulher Mais Odiada dos Estados Unidos também não é um grande filme com um impacto imediato. A narrativa entrecortada do cineasta Tommy O’Haver busca claramente uma biografia, e usa a situação do sequestro não apenas como respiro, mas para justificar a reconstituição da trajetória de Madalyn como flashbacks, o que acaba “escondendo” do espectador o tom episódico que, de outra forma, a obra acabaria tendo. Há tensão, porém, naquele núcleo, principalmente entre David e a protagonista. Apesar das constantes ofensas que trocam entre si, não queremos acreditar que poderiam fazer mal um ao outro, pois os dois parecem se odiar por reconhecer algo em comum entre eles: a índole trapaceira.

O que, por final, torna o filme menos eficaz, pois não sobra uma figura simpática sequer por quem torcer. Aliás, desse ponto de vista, o filme nos diz que Madalyn Murray, uma mulher que existiu de verdade, fez menos pelo ateísmo do que o fictício Henry Drummond, personagem de Spencer Tracy em O Vento Será Tua Herança (1960). Seria melhor se a Netflix tivesse apenas revisitado o clássico, que volta e meia está em seu catálogo, do que investir nessa obra insípida aqui. Que se não ofende, também não ajuda em grandes coisa.

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é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
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