Crítica


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Sinopse

Apesar dos milagres serem o elemento central da fé cristã, atualmente, são poucos os que se propõem  a adentrar o tema. Através de conversas com pensadores como Olavo de Carvalho, Raphael de Paola e Wolfgang Smith, tem início uma investigação filosófica acerca desse fenômeno, com o objetivo de dissecá-lo de forma profunda e desvendar os seus enigmas para a contemporaneidade.

Crítica

O malabarismo retórico sustentado pelo cineasta Mauro Ventura em Milagre beira o pernicioso. Isso, principalmente, por conta dos labirintos filosóficos criados pelos três entrevistados a fim de “atestar” a superioridade da doutrina cristã sobre a ciência. O discurso do longa-metragem é consolidado em instantes tonalmente similares, nos quais o físico Raphael de Paola, o matemático Wolfgang Smith e o pseudo-filósofo Olavo de Carvalho – professor do realizador, algo que explica algumas coisas – lançam mão de argumentos absolutamente voláteis na tentativa de convencer o espectador a respeito de “verdades incontestes”. Refutando a validade de ideologias e pensamentos antagônicos, as falas buscam construir um fundamento em torno de episódios tidos como milagrosos, oriundos de “entidades superiores e extraordinárias”. Fenômenos que não podem ser dissecados por práticas sistemáticas de investigação são o objeto de disputa. Para delinear uma teoria alicerçada nos preceitos do cristianismo, a trinca tenta desacreditar a metodologia científica.

Milagre é um documentário repetitivo, que carece sobremaneira de ritmo. Essa falta de cadência deriva da montagem burocrática que não dinamiza a interlocução teórica entre os entrevistados. São comuns os planos estáticos e longos, com privilégio de articulações que não encontram respaldo e amplitude nas anteriores, tampouco nas subsequentes. A morosidade empalidece até as bonitas imagens captadas em paisagens naturais e monumentos religiosos, que não servem como sintoma de uma grandiosidade emanante da deidade negada por ateus. Estes, aliás, são constantemente tipificados, sobretudo por Raphael, como gente fechada à complexidade dos mistérios da existência. De acordo com o físico, os crentes se diferenciariam dos materialistas, pois generosos. A visão parcial e reducionista é externada de tal modo ostensivo e frequente que não dá conta, sequer, de dissimular a arrogância dos palestrantes dispostos como senhores do saber.

Essencial à toxicidade de Milagre é a forma como especialmente Olavo de Carvalho tenta desautorizar o método científico ao entendimento fenomenológico, enaltecendo para tanto a "supremacia" da doutrina cristã. Ele fala muito sobre a incapacidade de estudo do chamado “fato concreto”, uma vez que todo processo científico parte de um recorte específico, assim nunca sendo capaz de abarcar o todo. Para validar a pretensa amplitude maior da religião, a validade de uma cosmovisão cristã que daria conta de entender material e imaterial de um jeito acurado, Olavo se vale de cláusulas religiosas que também não encontram consistência, senão entre os que creem e eventualmente atribuem a uma divindade de inteligência elevada algo que não cabe nos limites da nossa vã filosofia. As tomadas utilizadas para enxertar conteúdo são feitas, quase integralmente, de baixo para cima, em contra-plongée, para fornecer uma ideia visual de grandiosidade da igreja católica.

Milagre é tão parcial e pouco afeito a realmente estudar ocorrências que fogem ao princípio humano que não disseca os exemplos mencionados por seus entrevistados, se contentando com a citação apressada e insuficiente do título do milagre e do ano em que ele aconteceu. Esse dado já deflagra a intenção de Mauro Viana, cineasta que assume a posição de aluno obediente e disseminador, de falar especificamente com crentes, de, conforme o jargão, pregar absolutamente para convertidos. Olavo de Carvalho, incansável emissor de impropérios, afirma que não há nada mais provado cientificamente do que os milagres relacionados à igreja católica. Ainda nesse tocante, ele chega a dizer que os episódios denominados “corpos incorruptíveis”, quando cadáveres praticamente não exibem sinais de putrefação, isso mesmo decorrido muito tempo do óbito, são exclusividades católicas, não observadas nas demais religiões, expondo, assim, as intenções diretivas. Além da defesa da possibilidade dos milagres, sobressai a tentativa canhestra de atrelar a verdade apenas ao catolicismo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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