Crítica

Há alguns anos – pouco mais de uma década – descobriu-se uma vertente até então pouco explorada na cinematografia nacional: a dos filmes religiosos. Tudo ganhou força com o sucesso de Maria, Mãe do Filho de Deus (2003) e o subsequente Irmãos de Fé (2004), ambos embalados pela presença do padre pop Marcelo Rossi no elenco. A febre seguiu não só no catolicismo, mas também no meio espírita – Nosso Lar (2010) teve mais de 3 milhões de ingressos vendidos. Porém, em comum em todos estes projetos percebia-se um certo amadorismo profissional e um catequismo um tanto exagerado, que acabava funcionando apenas entre os já convertidos e afastando qualquer curioso desavisado. Pois é mais ou menos o que acontece novamente em Metanoia, longa baseado em fatos reais que aposta na mensagem da fé em Deus como método para superar o vício nas drogas.

Com direção do estreante Miguel Nagle, Metanoia se tornou realidade graças à união de duas produtoras audiovisuais assumidamente religiosas: Companhia de Artes Nissi e 4U Films. Elas estão juntas com a missão de levar ao público uma história verídica protagonizada por Caíque Oliveira (também co-autor do roteiro, ao lado do diretor), um jovem da periferia paulistana, órfão de pai, que apesar da criação materna dedicada acaba sendo convencido pelos amigos a experimentar maconha e crack, até não ter mais como se recuperar sozinho. A dependência toma conta do rapaz, e nem a morte de amigos próximos na mesma situação parece fazer com que mude de comportamento. Segue-se, a partir de então, a velha cartilha a qual já estamos acostumados a ver nestes casos: mentiras, assaltos, roubos na própria casa e o desespero nas ruas da “Cracolândia”, região central da capital paulista.

Caíque e Miguel são bem intencionados – mas, como todo mundo sabe, de boas intenções o inferno está cheio. A direção de fotografia procura não se render ao óbvio, enquanto que é visível um certo cuidado em termos de direção de arte e figurinos. Há um planejamento quanto às questões técnicas da produção, uma atenção que felizmente evita que o longa caia na vala comum do discurso panfletário sem valor artístico. No entanto, falta experiência ao realizador de apenas 31 anos para abrir mão de recursos redundantes, como a desnecessária narração em off – que até se justifica no final, mas ainda assim – e a montagem desconstruída, que apesar do efeito não se justifica. Por vezes, o mais simples é também o mais eficiente.

Quanto ao elenco, chama atenção a presença de nomes como Caio Blat, Thogun Teixeira, Silvio Guindane e Solange Couto, todos em participações menores. O de maior destaque é Blat – que, no entanto, sai de cena ainda na primeira meia-hora da trama – e sua presença deve refletir o interesse do ator pelo tema, visto que em seu currículo consta também a cinebiografia Bezerra de Menezes: O Diário de um Espírito (2008), outro título de forte inspiração religiosa. E se estes servem para atraírem um público que normalmente não se interessaria por este tipo de produção, os protagonistas Oliveira e Einat Falbel (que interpreta a mãe sofredora) quase colocam tudo a perder. O primeiro é incapaz de expressar emoções mais complexas – o tom que assume é constante e monocórdico, independente do contexto – enquanto que ela serve apenas como escada para o outro, sem uma presença de maior influência na narrativa.

Metanoia foi muito premiado no II Festival Nacional de Cinema Cristão, vencendo oito das doze categorias existentes. Seria curioso se inteirar dos demais concorrentes e imaginar como se sairia frente a filmes de maior expressão, ou ao menos não inseridos em um evento de cunho temático tão específico. Ainda que sua mensagem seja edificante, há pouco de revelador ou surpreendente enquanto conteúdo autoral. Àqueles que forem ao seu encontro já sabendo o que encontrar devem ficar satisfeitos, mas é de se questionar qual o valor de um trabalho como esse diante espectadores não-iniciados e que estejam em busca de arte e entretenimento – as duas diretrizes maiores do cinema enquanto forma de expressão.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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