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Sinopse

Um telefonema desesperado da mãe de sua ex-namorada desperta em Murphy um forte sentimento saudosista. Electra está desaparecida há meses, e ele começa a relembrar seu passado com a garota em meio a suas aventuras sexuais.

Crítica

A palavra polêmica associada ao nome de Gaspar Noé não é novidade alguma. Depois de ter chocado boa parte do público com o forte Irreversível (2002), o cineasta franco argentino retorna a carga e utiliza uma artimanha nada nova para chamar atenção do público em Love: o sexo aberto e sem pudores na tela grande. A ideia não é má. Pegue um assunto capaz de levar as pessoas ao cinema pela curiosidade – um filme de arte com cenas de sexo explícito em 3D – e, com a sala cheia, conte a história que você quiser. Para tanto, filmar seus atores com direito a muita nudez frontal e cenas gráficas de sexo ajuda a manter a atenção do público que foi atrás deste chamariz. Lars Von Trier acabou de fazer isso nos dois volumes de Ninfomaníaca (2013), diga-se de passagem. O ideal seria, então, surpreender a todos com uma trama profunda, mostrando que todo o barulho feito em torno do filme fazia sentido. O espectador entenderia que estaria em frente de um produto diferente. Ousado. Talvez revolucionário. Certamente isso tudo passou pela cabeça de Noé, neste projeto há tempos incubado e finalmente realizado. Mas a intenção do artista não se fez presente no produto acabado. Se existem alguns bons momentos em cena, não chegam perto do volume de expectativa que cercava esta produção do cineasta.

O roteiro é do próprio Gaspar Noé e, assim como em Irreversível, a narrativa brinca com a cronologia da história. Neste caso, somos apresentados ao protagonista, Murphy (Karl Gusman), quando este se vê em um beco sem saída. Com um filho pequeno e amarrado a um relacionamento infeliz com a bela Omi (Klara Kristin), o rapaz se sente completamente sufocado em seu pequeno apartamento. Ao receber uma ligação de Nora (Isabelle Nicou), mãe de sua ex-namorada Electra (Aomi Muyock), sua cabeça começa a girar. Ela está desesperada pelo desaparecimento da filha e clama por notícias. Este é o estopim para lembranças de Murphy com Electra, estas apresentadas ao público como qualquer memória: descontextualizada, sem qualquer sentido cronológico. Vemos o final do relacionamento entre os dois para só depois acompanhar os bons momentos. História de um amor doentio, Murphy e Electra têm sentimentos fortes, mas fazem mal demais um para o outro.

Existe uma máxima de que diretores de obras autorais se misturam aos seus personagens, ficando difícil saber o que é autobiográfico e o que é apenas uma similaridade curiosa. Não é raro que exista no filme um alterego do diretor, por exemplo. Em Love, no entanto, praticamente todos os personagens são Gaspar Noé. Existem as referências mais óbvias, como o ex-namorado de Electra, interpretado pelo diretor, que carrega o nome Noé, passando pelo filho de Murphy que ganha o nome de Gaspar. Mas o próprio protagonista é um jovem cineasta fanático por 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968, notoriamente um dos filmes preferidos do diretor franco argentino) e que sonha em realizar um filme com “sangue, suor e sêmen”. Electra, por sua vez, é uma mulher com ascendência mista, uma pessoa que tem dificuldade em se encaixar – algo facílimo de ligar com a origem do diretor. Nora Murphy, nome da mãe de Noé, serve também como nome de dois personagens diferentes. Tudo é muito pessoal, muito íntimo. Mas nem isso deixa o filme mais interessante.

O drama vivido pela dupla de protagonistas não é forte o suficiente para suplantar as demasiadas sequências de sexo. Gaspar Noé pesa a mão nas primeiras cenas em que acompanhamos o casal que, aos gritos, troca impropérios em uma onda de raiva cega. Depois destas cenas que beiram o insuportável, é dificílimo se importar com a dupla. Sabemos de antemão que cada um daqueles momentos que os dois dividem é um exercício de futilidade, visto que não levam a lugar algum. Quem espera um filme de amor intenso, como propagado pelo diretor em entrevistas a respeito de Love, verá um drama que passeia pelo doentio, belisca a misoginia e que usa do sexo apenas como chamariz de audiência.

Algumas boas ideias que surgem no início da trama, como os cortes secos que colocam Murphy em contato com seu passado em um piscar de olhos, são abandonados no decorrer da história, ainda que o efeito da tela piscando siga até o final. O uso intenso do vermelho nas memórias de Murphy cria um interessante contraponto com as cenas do presente, cinzas, sem vida. Noé filma bem algumas cenas sexuais – com destaque para a que abre o filme, enquadrada como uma verdadeira pintura que se move. O diretor sabe usar de contraluz para criar algumas belas composições.  Mas também se diverte ao usar o 3D para mostrar uma ejaculação em primeiríssimo plano. Não é de se duvidar que ele tenha realizado o filme todo com a tecnologia só por causa desta cena em particular. Vivendo personagens bidimensionais e sem muito carisma, os atores têm tarefa difícil na hora de prender a atenção do espectador. Karl Gusman era o único com alguma experiência antes de Love e é em quem recai a maior responsabilidade, visto que a história é toda contada sob o ponto de vista do seu personagem. Em performance irregular, Gusman se recente de uma direção mais firme. O mesmo pode ser dito de suas parceiras em tela, as belas estreantes Aomi Muyock e Klara Kristin.

Ao final da sessão de Love, o que parece é que faltou sustentação à história. Existe esmero de produção, algumas belas cenas e uma vontade de desenrolar uma trama consistente. Mas na hora da execução, algo saiu errado e o que poderia ser um filme extraordinário e original se mostra uma produção comum, que só se sobressai pela falta de pudor nas cenas de sexo. Convenhamos, muito pouco para um diretor que prometia tanto.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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