Crítica


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Sinopse

A obsessão de um garoto por outro que ele apenas viu andando de bicicleta.

Crítica

Existe um caráter hipnótico em Looping. O curta-metragem é narrado pelo ponto de um jovem ausente das imagens, restrito a uma voz que guia toda a narrativa. A fala carrega certo teor contemplativo, como num diário íntimo, ao invés da explicação comum às narrativas em off. Nosso personagem principal não conversa com alguém, nem mesmo com o espectador: ele parece rememorar os fatos para si mesmo. Parte da narração sugere fatos, em tom excessivamente articulado pela leitura, enquanto a outra parte se dedica às sensações. Deste modo, combina-se a dureza dos verbos com o aspecto sonhado do estilo monocórdio, próximo de um sonho. Mistura-se realidade e fantasia.

O tom funciona muito bem para retratar a descoberta de um amor à primeira vista: “Eu vi um garoto atravessando a rua hoje”. Segue-se um retrato de deslumbramento, angústia, medo, paixão, excitação sexual, tudo isso equilibrado pela voz inabalável. Entre tantas narrativas sobre indivíduos homossexuais (ainda que, aqui, a orientação sexual não constitua um conflito) buscando a romantização do amor ou o choque libertário do sexo casual, o curta-metragem consegue combinar amor e sexo, o imediatismo do presente e os planos para o futuro. O protagonista descreve com a mesma intensidade uma penetração e a beleza dos dentes de seu amado. Este, por sua vez, existe apenas no olhar do protagonista invisível. Enquanto um se resume ao áudio, o outro se resume à imagem. A representação do amor nasce desta fusão essencialmente áudio-visual, como duas metades a se completarem.

A narrativa é acompanhada de uma imagem igualmente sonhada, encontro entre vídeo e fotografia still, ou ainda entre imobilidade e movimento. A partir de minúsculos fragmentos do rapaz da bicicleta, sorrindo e devolvendo o olhar amoroso à câmera – e, por extensão, ao espectador -, cria-se ao mesmo tempo uma narrativa e uma antinarrativa. A voz sugere uma história linear, com começo, meio e fim, mas as imagens respondem apenas em partes a esta cronologia, ganhando liberdade para explorarem metáforas (a água jogada para o alto, o barulho da água como trilha sonora) e se descolarem dos verbos quando desejado. O diretor Maick Hannder elabora uma impressionante coreografia na qual imagem e som ora se completam, ora se rejeitam. A voz do narrador elimina os ruídos locais, ou permite pequenas representações alegóricas de um mundo controlado pelos olhos deste diretor-personagem-eu lírico voyeur. É como se a paixão eliminasse o mundo ao redor para se concentrar apenas no objeto de desejo.

Para além da fascinante aventura conceitual, Looping oferece um verdadeiro deleite estético. O diretor possui pleno domínio de suas imagens e de sua montagem. Ele sabe quando precisa de barulho, e quando reforçar o tom hipnótico através do silêncio; sabe valorizar o aspecto caseiro do flash da câmera e a luz natural durante um passeio de dia. O curto relato se interrompe no fim do sexo, correspondendo ao gozo, e à vontade de encapsular um momento através da imagem: “Tento guardar cada pedaço, cada segundo com você”. Hannder evita a ilustração clássica de um episódio amoroso para privilegiar as sensações decorrentes do mesmo, proporcionando uma fascinante experiência cinematográfica.

Filme visto na 6ª Mostra de Cinema de Gostoso, em novembro de 2019.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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