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Sinopse

Um erudito professor britânico aceita o desafio de trabalhar nos Estados Unidos. Depois de um tempo, ele fica obcecado pela sua nova enteada de 14 anos, partindo para tentar conquistá-la quando sua esposa morre atropelada.

Crítica

Se nos dias de hoje, a temática do livro Lolita, de Vladimir Nabokov, ainda causa polêmica e gera discussões, imagine no começo da década de 60, quando Stanley Kubrick decidiu levar o romance do escritor russo para os cinemas. Obviamente, o cineasta teve de utilizar de subterfúgios para contar a história e muitos dos pontos mais explícitos do livro tiveram de ficar de fora. Mesmo assim, estas dificuldades não fizeram de Lolita um filme menos interessante. Ao contrário. Desvia em diversas formas do romance que o originou, mas continua mantendo o brilhantismo daquela trama cheia de desejo, culpa, mentira e ciúmes.

Ainda que tenha assinado o roteiro também, Nabokov teve pouco a ver com o longa de Kubrick. O cineasta mudou praticamente tudo o que estava no script – o que seria a tônica das produções encabeçadas pelo diretor a partir de Lolita, quando ele finalmente conseguiu a liberdade que almejava para construir seus trabalhos. O filme começa com o professor Humbert (James Mason) encontrando e baleando um sujeito bêbado e falastrão chamado Clare Quilty (Peter Sellers). Não se sabe o que o levou a fazer aquilo, mas sua expressão denota ódio cego e total falta de compaixão. Depois deste encontro somos transportados para o início de tudo. Acompanhamos Humbert em sua procura por um lugar para ficar durante o verão. Em sua busca, conhece Charlotte Haze (Shelley Winters), dona de uma pousada e carente de atenção, e sua filha de quatorze anos Dolores (Sue Lyon), também conhecida como Lolita. O professor se encanta pela menina e resolve ficar na pensão, nutrindo uma afeição cada vez mais crescente pela jovem. Com o desenrolar da história, Humbert acaba casando com Charlotte para ficar mais perto da enteada, uma atração que o levará até as últimas consequências.

Os personagens de Lolita são a maior qualidade do longa-metragem de Stanley Kubrick. Todos são seres humanos falhos, problemáticos, com fantasmas no armário, longe de conseguirem a rápida simpatia do espectador. Não existe o mocinho ou a mocinha. Desde Humbert até a menina Lolita, todos têm uma falha de caráter, um modo de agir que é extremamente impróprio. Mas, nem por isso, acompanhamos com menor atenção a trama. Isso deixa tudo ainda mais interessante.

Comecemos com Charlotte. Uma mulher, à primeira vista, simpática, boa mãe, hospitaleira, carinhosa. Tão logo consegue seu intento, agarrar o solteirão que acabara de mudar-se para sua pensão, a senhora Haze mostra sua real personalidade. Ciumenta, insegura, asfixiante. Suas ações – a invasão de privacidade no escritório do marido – acabam a levando para um caminho sem volta, praticamente cavando sua própria cova. Sua filha, Lolita, ainda que primeiramente aparente ingenuidade, é uma pessoa manipuladora, egoísta, mentirosa e incrivelmente astuta para a sua idade. Suas ações são sempre planejadas em benefício próprio. Isso talvez a aproxime de Clare Quilty, uma pessoa também egocêntrica e que não tem escrúpulos ou limites para alcançar seus objetivos. O quarteto se fecha com Humbert, um pedófilo que sucumbe ao desejo, perdendo completamente a razão por conta de uma paixão por uma menina jovem demais.

Destes quatro personagens, Quilty e Lolita acabam se destacando. Ambos pelas ótimas atuações dos atores. Peter Sellers rouba o filme cada vez que aparece, encarnando um sujeito detestável, mas hipnotizante. Kubrick parece não conseguir segurar muito o ímpeto de Sellers pela comédia rasgada, tanto que, em dados momentos, o ator parece estar em outro filme, destoando do clima da história. Isso seria um problema seríssimo não fosse o talento de Sellers na construção de personagens. Ou seja, é tão bom ver o ator em ação que deixamos de lado alguns pecadilhos. Já Sue Lyon, em seu primeiro papel como protagonista, consegue pegar um difícil papel e torná-lo seu. Dando o texto de forma natural, com o desdém típico dos adolescentes, Lyon constrói uma Lolita definitiva, uma moça manipuladora que, ironicamente, acaba sendo enganada por alguém ainda mais maquiavélico.

Stanley Kubrick filma tudo isso em um belíssimo preto e branco, utilizando como pode os pontos mais controversos da trama. É de se perguntar como o cineasta contaria esta mesma história na década de 70, 80 ou 90. Observando seus filmes posteriores, de Laranja Mecânica (1971) a De Olhos Bem Fechados (1999), é notável a falta de pudor por cenas mais fortes – sejam sexuais, sejam violentas. Como Lolita seria transportada para a telona por Kubrick sem as amarras da época? Nunca saberemos. Felizmente, o cineasta conseguiu fazer uma obra que, ainda sem poder pisar fundo nos assuntos, consegue ser memorável por todas as qualidades supracitadas.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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