Levados Pelas Marés

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Sinopse

Em Levados Pelas Marés, a duradoura e frágil história de amor de Qiaoqiao e Bin, ambientada na China do início dos anos 2000 até os dias atuais, está no centro da ação. Ligados um ao outro, eles aproveitaram tudo o que a cidade de Datong tinha a oferecer. Até que um dia Bin decide tentar a sorte em um lugar maior. Sem qualquer aviso, o rapaz vai embora. Exibido no Festival de Cannes 2024.

Crítica

Jia Zhangke é cronista de uma China indecisa entre um passado voltado para si e um presente que obrigatoriamente abre-se para o mundo, preparando um futuro cada vez mais cosmopolita e distante das antigas tradições. Em Levados pelas Marés, ele volta a se debruçar sobre o passar dos anos em sua terra natal, tendo como testemunha dessas transformações Qiaoqiao, uma mulher a procura de si mesma. Ela está sozinha, mas não teme. Espera reencontrar o companheiro que não lhe dá resposta, enfrenta de cabeça erguida qualquer um que se coloque no seu caminho e se mostra disposta a mudar de trabalho, cidade e até mesmo vida se esse for o preço a ser exigido. O que importa é não desistir. E assim o diretor, por meio de sua protagonista, vai intercalando a realidade ao seu redor com aquela imaginada apenas por meio do cinema, em um testemunho tão pessoal e íntimo, quanto coletivo e abrangente.

Qiaoqiao é interpretada por Tao Zhao, atriz-fetiche do cinema de Zhangke. Apontada como uma das melhores atrizes do ano pela Sociedade Nacional dos Críticos de Cinema dos EUA por Amor Até as Cinzas (2018) e multipremiada também por As Montanhas Se Separam (2015) – dois dos longas mais recentes do diretor – Zhao se mostra ciente do potencial de sua imagem em cena, abrindo mão até mesmo dos diálogos nessa busca pelo parceiro que há tanto a deixou. As palavras que compartilha com o espectador são aquelas escritas em mensagens digitais ou mesmo físicas, deixadas como pistas de um sentimento que não mais sabe como identificar. Num primeiro momento, a impressão é de estar indo ao seu encontro. Somente depois ficará claro que tal união não é mais possível. É dela que ela precisa, não mais dele. Como um mundo em decomposição, que não pode mais voltar a ser aquilo que um dia foi, mas também não identificou com precisão o caminho que o levará até o ponto que se imagina ser capaz de ocupar. A viagem, enfim, importa mais do que o destino.

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Nem uma queimada mata todas as ervas daninhas. Elas vão crescer de novo com as brisas da primavera”. Assim Zhangke dá início a esse intrincado caleidoscópio sobre uma China cada vez mais irreconhecível, tal é a intensidade de sua constante mutação. Dos reflexos da pandemia do Covid-19 às estrelas das redes sociais (TikTok, é claro) espalhadas dos grandes centros até os mais distantes rincões do país, o que reúne são peças de um imenso quebra-cabeça, daqueles tão elaborados que só revelarão seu sentido quando terminados, com todos os seus encaixes preenchidos, sem espaço para devaneios ou elucubrações randômicas. Da mesma forma, a mulher que dá início ao seu périplo de maneira tão determinada, aos poucos vai largando essa certeza e abraçando, assim como qualquer um ao seu redor, as possibilidades que o acaso lhe oferece.

Por meio de uma coletânea de imagens supostamente dispersas, que vão de uma balada noturna a uma apresentação de ópera feminina, Levados pelas Marés se confirma mais relevante ao todo do que a cada uma das suas partes em separado. O dispositivo que usa, combinando diferentes texturas tanto imagéticas quanto sensoriais, proporciona no espectador uma experiência singular, permitindo diferentes interpretações a partir dos mesmos significados. E entre tantas perguntas sem respostas óbvias, resta a ela não desistir e seguir correndo, se não mais sozinha, ao mesmo tendo certeza que a maratona é longa e, portanto, qualquer apoio será bem-vindo. Jia Zhangke parte do mínimo para alcançar algo mais complexo e duradouro. Tanto na tela, como na imagem que em coletivo constrói e oferece.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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