Sinopse
Um ex-guerrilheiro que trocou de identidade tenta proteger uma menina que se prostitui numa região dominada pelo garimpo. Esse homem é perseguido por garimpeiros e traficantes.
Crítica
Há detalhes na língua espanhola que podem se perder na tradução, mas aos quais o espectador curioso deve estar atento. Veja, por exemplo, o título desse filme: La Pampa. A tradução correta seria A Pampa, e não O Pampa, como se conhece no Brasil (nesse caso, o mais adequado era El Pampa). E isso se dá pois a referência é quanto a um lugar específico, levantado pelo homem, e não um ecossistema genérico da natureza, como muitos poderiam supor. La Pampa, situada em uma região remota da floresta amazônica peruana, é o destino para onde eles se dirigem e do qual elas sonham em escapar, mas sobre o qual todos, independente de estarem diretamente envolvidos ou não, sabem a respeito. Eis, portanto, um filme-denúncia, que tem como propósito escancarar uma realidade da qual muitos tem ciência, mas contra a qual nada (ou muito pouco) é feito de ordem prática. Assim, dotado dessa aura de urgência, acredita-se que tudo é válido, visto que sua função social estará sendo cumprida. Esquecendo-se, no entanto, do principal: o valor enquanto manifestação cultural, sua relevância como cinema e os méritos artísticos que abraça, estes frágeis e de escassa pertinência.
Pedro é um homem de poucas palavras. Leva seus dias sem grandes surpresas ou atribulações. Almoça na casa da mulher pela qual nutre alguma estima, e por vezes o afeto entre eles vai além de uma mera troca de carinho, indo para manifestações mais físicas. Mas não muito mais do que isso. Pois, uma vez terminado o ato, lhe resta apenas se levantar, vestir-se e ir embora, rumo ao casebre afastado onde mora sozinho, quase que isolado de tudo e todos. No resto do tempo, ou está elaborando pequenos brinquedos artesanais, ou sentado diante destes na venda que mantém em uma zona de mercado comum, nada turística, mas de grande circulação pelos locais. Será ali, no entanto, que acabará sendo encontrado por quem menos esperava – ou sequer imaginava ser possível. E, a partir desse encontro inesperado, esse frágil mundo que construiu para si correrá o risco de ruir para nunca mais alcançar a mesma normalidade de antes. A ele cabe dois caminhos: a impassibilidade, ignorando o chamado que agora o alcançou, ou a ação, limpando terreno tanto para os traumas de ontem como, também, para as responsabilidades do agora.
Reina está doente, e não tem a quem recorrer. Em um lugar e situação no qual a sororidade é tudo o que lhe resta, a garota precisará recorrer a uma outra que, assim como ela, tudo tem a perder, mas um mundo diante de si a ganhar. As duas, assim como tantas outras, são vítimas de tráfico humano, e hoje estão a serviço de La Pampa, uma das maiores zonas de prostituição feminina de todo o Peru, próximo de uma região de mineração de ouro e outras pedras preciosas. Quando uma outra menina, de destino tão infeliz quanto o dela, decide lhe estender a mão, as duas passam a correr risco – talvez até maior do que o de saúde que lhe acometia até o momento. Fogem da prisão que lhes foi imposta, e nesse movimento, se tornam caça dos caçadores, perseguidas até serem, mais uma vez, capturadas. Os bandidos não podem perder o controle de suas presas, elas mesmas sabem. Portanto, precisam encontrar alguém de fora que possa ajudá-las. E quem melhor do que o pai de uma delas, justamente daquela que está enferma e mais necessita de ajuda?
Acontece que Pedro não é quem elas imaginam. Esse é um nome que lhe foi dado, mas não no batismo, e, sim, na busca por uma nova identidade. Numa região onde impera a lei do mais forte, manter-se distante das atenções pode ser uma importante estratégia de sobrevivência. Porém, como se não fosse suficiente ao protagonista apenas ter esse apelo moral de ir ao socorro de alguém que está em uma nítida situação de desespero, o diretor Dorian Fernández-Moris (também co-roteirista, ao lado de Rogger Vergara Adrianzén) faz questão de inserir de última hora elementos que não apenas tornam redundante essa jornada de redenção, como também esvazia o mistério a respeito destas motivações, explicitando de modo didático as razões por trás de cada uma das ações do personagem. Dessa forma, por melhor que seja a atuação de Fernando Bacilio (premiado nos festivais de Buenos Aires, Cartagena e Locarno, entre outros, por El Mudo, 2013) – e ele, de fato, é o aspecto mais sólido de toda a produção, oferecendo à audiência uma composição ao mesmo tempo fechada em suas dores e relutantemente disposta à transformação pela oportunidade que lhe é apresentada – essa se vê comprometida por uma condução hesitante, que não confia plenamente no seu potencial, buscando suporte em apoios que não apenas se mostram desnecessários, mas também reiterativos.
A ideia por trás de um filme como La Pampa é bastante nítida: servir de manifesto contra uma realidade que precisa, de forma urgente, ser combatida e eliminada. No entanto, por mais que a vontade seja de oferecer algum tipo de resgate à condição feminina, a partir do instante em que se escolhe um homem como protagonista, uma contradição se instaura de imediato. E com o desenrolar dos acontecimentos, essa distância entre anseio e realização vai se afastando ainda mais, uma vez que à mulher em cena cabe apenas o retrato da vítima explorada, enquanto são os homens que tomam as decisões, para o mal – ou para o pior. O desfecho, catártico na medida de promover uma reação mais imediata, mas ineficaz enquanto exemplo de transformação, apenas aprofunda essa separação, eliminando possibilidades de reflexão a respeito do caso usado como exemplo. Uma oportunidade perdida, não desprovida de valor, mas de alcance limitado e reflexão ainda mais rasa, sem a força necessária para provocar a mudança que deveria ter como destino.
Filme visto durante o 1º Bonito CineSur – Festival de Cinema Sul-Americano
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