Kopenawa: Sonhar a Terra-Floresta

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Sinopse

Kopenawa: Sonhar a Terra-Floresta: Ecoa a voz do líder indígena Yanomami e defensor da Amazônia. Com participações de personalidades traz um olhar atual e poético sobre o pensamento de Davi e os desafios enfrentados por seu povo. Xamã e ativista global, el reflete sobre os impactos causados pelas invasões nos territórios indígenas, a crise climática e o futuro da humanidade. Documentário.

Crítica

Há trajetórias humanas que transcendem o plano individual. Figuras que caminham pela vida com a firmeza de quem não pediu para ser símbolo, mas o tornou-se mesmo assim. Quando alguém assume, por conta própria, a responsabilidade de proteger o que é coletivo – os povos, os territórios, as memórias – não se trata apenas de biografia. É como observar fenômeno natural que opera à revelia de nossa vontade. Davi Kopenawa Yanomami, ícone máximo de Kopenawa: Sonhar a Terra-Floresta, é uma dessas presenças raras. Acompanhá-lo, portanto, é mais do que seguir uma jornada: é escutar um chamado.

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A proposta de Marco Altberg e Tainá De Luccas parte do resgate de feitos e da força política de Davi, sem mistificar nem didatizar. O percurso se constrói por meio de imagens de arquivo e de depoimentos, como os de José Celso Martinez Corrêa, Ailton Krenak e Gilberto Gil, que se revezam como vozes de trechos de “A Queda do Céu”, livro escrito por Kopenawa em parceria com Bruce Albert. O que se vê é menos um relato linear e mais escuta generosa das ideias e experiências de pensador indígena em trânsito pelo mundo.

O longa recusa a tentação da grandiosidade formal e encontra seu ritmo na oralidade e no gesto íntimo. Não há pretensão de guiar o espectador por grandes reviravoltas. O motor está na palavra do próprio Davi, cuja serenidade é tão potente quanto seu inconformismo. Há algo comovente no modo como ele se coloca diante da câmera – não como quem performa, mas como quem insiste. Em cada pausa ou sorriso, percebe-se alguém que fala porque sabe, porque viveu. E os cineastas, atentos, compreendem que ali a direção é outra: é ele quem conduz.

Sem ambições de espetáculo, a obra se insere na crescente leva de produções brasileiras que, nas últimas décadas, têm se debruçado com respeito e escuta sobre a história dos povos originários. Há compromisso de continuidade, um passo adiante em filmografia que inclui títulos como Martírio (2016) e A Flor do Buriti (2023). E ainda que não traga ineditismos formais, o título oferece entrada possível para públicos diversos, inclusive para aqueles que, por ignorância ou preconceito, distanciaram-se da causa indígena nos últimos anos.

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Talvez a maior virtude deste trabalho esteja justamente na delicadeza com que se impõe. Não grita, mas também não se esconde. Ao final, fica a sensação de que se testemunhou algo inevitável: a força de alguém que, por vontade própria, decidiu não parar. Como na observação das ondas mar que não cessam, tudo o que se pode fazer é parar e ver. Porque há presenças que movem o mundo, mesmo quando o mundo parece não querer se mover.

Filme conferido no Bonito CineSur: Festival de Cinema Sul-Americano 2025;

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Fanático por cinema e futebol, é formado em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Feevale. Atua como editor e crítico do Papo de Cinema. Já colaborou com rádios, TVs e revistas como colunista/comentarista de assuntos relacionados à sétima arte e integrou diversos júris em festivais de cinema. Também é membro da ACCIRS: Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul e idealizador do Podcast Papo de Cinema. CONTATO: [email protected]
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