Crítica


7

Leitores


3 votos 4.6

Onde Assistir

Sinopse

O espaço da Federação é tomado por uma poderosa entidade alienígena que destrói três cruzadores Klingons. Na Terra, o Almirante James T. Kirk assume o comando da USS Enterprise e ruma para interceptar o agressor.

Crítica

O rascunho do seriado elaborado por Gene Roddenberry, que viria a se tornar o fenômeno da cultura pop Star Trek, remete a 1961. Porém, a série de ficção científica chegou à televisão norte-americana apenas cinco anos depois. O sucesso foi tanto que a franquia sobre as aventuras interestelares do Capitão James Kirk e da tripulação a bordo da USS Enterprise ganhou seu primeiro longa-metragem em 1979. Jornada nas Estrelas: O Filme, dirigido por Robert Wise, com elenco encabeçado por William Shatner (Kirk), Leonard Nimoy (Spock) e DeForest Kelley (Dr. McCoy), veio a reforçar uma nova era da ficção científica cinematográfica, que começou no final da década de 1960. Calcada em efeitos especiais inovadores, este período histórico teve em 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968), de Stanley Kubrick, seu marco inicial e maior expoente.

Seguindo a cartilha estética do gênero, o longa de Wise apresenta design apurado, elementos visuais respeitáveis, artefatos cenográficos de representação tecnológica visionários e lindos grafismos cósmicos, essenciais para situar o ambiente sideral de uma verdadeira viagem espacial. Da mesma forma como Roddenberry idealizou para seu programa de TV, o filme inaugural da saga Star Trek nas telonas divide-se em dois níveis, sendo um narrativo e outro discursivo: enquanto o primeiro é envolto em aventura, o segundo tem apelo moral. Assim, ao mesmo tempo em que apresenta uma trama de suspense, na qual o perigo espreita não apenas a tripulação da USS Enterprise, mas também todo o planeta Terra, o filme também se desdobra em acepções filosóficas sobre criador (origem) e criatura (fim).

O longa trata sobre uma nuvem cósmica que avança em direção ao nosso planeta e que desintegra tudo o que cruza seu caminho. A Enterprise, a nave espacial integrante da Frota Estelar sob comando da Federação Unida dos Planetas, tem como tarefa investigar e interceptar o corpo estranho. Ao chegar ao centro da nuvem, após uma viagem astronômica visualmente bela, Kirk e equipe percebem que o que está por trás da ameaça é algo muito familiar à raça humana. Sua raiz remonta a história da nossa civilização em mais de 300 anos. A trama toma emprestada premissas do episódio de TV The Changeling (segunda temporada, episódio 3) e da animação One of Our Planets is Missing (primeira temporada, episódio 3).

Como não poderia deixar de ser, este primeiro filme reúne personagens altruístas e abnegados em consonância com os dilemas apresentados. Heroísmo, desafio, hierarquia, comando, subjugação, lealdade, traição, amor e a eterna busca pelo conhecimento são alguns dos vários temas abordados pelo filme de forma mais ou menos concreta. Há conflitos, com certeza, especialmente entre Kirk e Deker (Stephen Collins), o capitão obrigado a deixar seu posto com a volta do personagem de Shatner ao comando da Enterprise. Porém, o imbróglio é bastante vago, sem muito desenvolvimento nem consequência. Assim, o senso de camaradagem prevalece entre a equipe. Afinal, em plena Guerra Fria não seria bom militares de uma mesma frota terem desavenças muito profundas – mesmo na ficção.

Por vezes, a ingenuidade latente do enredo e do texto compromete não apenas conceituações e alegorias, mas também o próprio debate proposto pelo filme. Por certo, o fato de o longa ter raízes em um popular programa de TV acaba por pasteurizar muitos dos discursos propostos, inclusive aquele que remete ao medo do desconhecido – um dos temas centrais da obra. A diluição das ideias expostas fica ainda mais evidente se for levado em conta o lançamento do impactante Alien: O Oitavo Passageiro (1979), de Ridley Scott, no mesmo ano. Guardadas as proporções relativas a subgênero, sendo Alien um sci-fi de horror espacial e Star Trek um sci-fi de mistério e aventura com traços pós-new-age, o primeiro foca todos os esforços em apresentar uma trama realista, niilista, sufocante, claustrofóbica e multi-interpretativa, capaz de apavorar o mais íntimo dos amantes do cinema de terr

Jornada nas Estrelas: O Filme posiciona-se entre a dimensão contemplativa e uma espécie de dialética unidirecional, que em vez de propor um diálogo das ideias que expõe ao público, aponta um estratagema fechado em seu próprio roteiro que não dá margem a suposições teóricas significativas por parte do espectador – algo que o distancia inclusive de 2001: Uma Odisseia no Espaço, filme emblemático do mystery sci-fi, subgênero do qual Star Trek também faz parte. Em outras palavras, a origem e a razão de ser da misteriosa nuvem expressa em Jornada nas Estrelas: O Filme, e que é o foco temático da obra, têm uma explicação contida em si mesma que é realmente interessante, mas que afasta qualquer possibilidade de participação colaborativa do público, mesmo que reativa. Nesse sentido, o filme de Robert Wise entrega um pacote completo, mas previamente explicado e degustado, próprio para o consumo de plateias televisivas.

Por outro lado, o roteiro proposto pelo por Roddenberry e pelos escritores Alan Dean Foster e Harold Livingston aponta um caminho audacioso ao propor a sinergia entre máquinas e alienígenas e ao indicar que mesmo essa estranha interação pode gerar indivíduos com questionamentos similares aos que seres humanos constantemente fazem acerca da criação. Mais do que isso, aponta o papel da própria civilização humana em um contexto intergaláctico imaginário. E não é esta uma das funções da ficção científica? Não à toa, Jornada nas Estrelas: O Filme é encerrado com a emblemática e profética frase “The human adventure is just beginning”. De fato, outros nove filmes surgem em sequência para debater este e outros temas relativos ao homem e o universo.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é jornalista, doutorando em Comunicação e Informação. Pesquisador de cinema, semiótica da cultura e imaginário antropológico, atuou no Grupo RBS, no Portal Terra e na Editora Abril. É integrante da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul.
avatar

Últimos artigos deDanilo Fantinel (Ver Tudo)

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *