Crítica


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Sinopse

Uma equipe cinematográfica acompanha a votação na Câmara dos Deputados e outras quatro retratam os eventos de Porto Alegre. Uma no Parcão, onde se concentraram os apoiadores do impeachment, outra na Praça da Matriz, ponto de concentração dos contrários, e as duas últimas na periferia e circulando pela cidade.

Crítica

As nauseantes imagens de parlamentares justificando seus votos favoráveis ao impeachment da então presidenta Dilma Rousseff são utilizadas pelo cineasta Boca Migotto em Já Vimos Esse Filme com uma considerável carga de eloquência. Alimentada pelas contundentes falas pregressas, que desenham rapidamente uma estrutura viciada de perpetuação de poder, essas passagens, que seriam cômicas senão trágicas, comprovam uma série de questões, entre elas a ausência de diversidade num setor, em tese, essencialmente representativo. Se apoiando basicamente na força dos depoimentos de pessoas que consideram o impedimento da petista um verdadeiro golpe chancelado pela grande mídia e rubricado por parte da população brasileira, o documentário consegue estabelecer um painel significativo. Ainda assim, é desigual e muitas vezes carente de uma consistência narrativa condizente com a densidade retórica dos homens e mulheres que analisam a situação política do Brasil por um viés transparente.

Já Vimos Esse Filme combina diversos dispositivos para sustentar a tese de que, novamente, o Brasil sofreu um Golpe de Estado. O realizador encadeia declarações de artistas, advogados, representantes da sociedade civil e trabalhadores de diversas atividades, utilizando como argamassa uma óbvia inclinação ideológica à esquerda. Inequivocamente, há uma tomada de posição, reforçada pela apresentação do contraponto direitista, vide as manifestações histriônicas e descabidas de gente “verde e a amarela” que foi às ruas louvar figuras como o juiz Sérgio Moro, considerado heroico pelos detratores do Partido dos Trabalhadores. Em meio às constatações, há uma fragilidade latente, que repousa justamente no fato do filme pregar para convertidos, por assim dizer, pouco se arriscando quanto à exposição mais ferrenha de determinadas contradições. A despeito das excepcionais intenções, o recato de não tipificar demasiadamente os pró-impeachment aqui pode ser lido como falta de arrojo.

Já Vimos Esse Filme se esforça para expor as engrenagens intestinais das mancomunações burguesas que vitimam o Brasil há séculos. Nesse sentido, são bastante eficientes os paralelos com as conjunturas da ditadura civil-militar e, antes disso, as relações estabelecidas pelos historiadores com os eventos que pressionaram Getúlio Vargas, levando-o ao emblemático suicídio. Embora não logre êxito em consolidar plenamente, como atributo narrativo, esse caráter cíclico dos sistemas de autopreservação dos abastados, Boca Migotto entremeia material suficiente para deflagrar a existência desse violento e nefasto instinto de sobrevivência. Uma das debilidades do filme reside na forma do roteiro promover a interlocução entre os fragmentos, nem sempre permitindo uma retroalimentação devidamente expressiva. Ademais, a amostragem, que compreende de jornalistas a enfermeiras, carece de uma pluralidade mais imprescindível e determinante.

Em pouco mais de 70 minutos, Já Vimos Esse Filme, no entanto, equaciona vários elementos para corroborar a tese do golpe, partindo de constatações simples, como a precariedade do argumento favorável ao impedimento da presidenta por crime de responsabilidade. Frequentemente oferecendo respiro à dinâmica prevalente das “cabeças falantes”, o cineasta cria momentos preciosos, como a demonstração de homofobia popular em resposta ao voto do deputado federal Jean Wyllys. Quando o manifestante "verde e amarelo" grita “viado filho da puta”, afrontando o discurso firme do parlamentar que chama seus pares de covardes, há uma caracterização automática do pensamento recorrente entre os que bradaram favoráveis ao afastamento de Dilma Rousseff. Ao documentário, faltam outros momentos como esse, de loquacidade menos direta. De toda forma, o filme confirma a relevância como documento da sua época.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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