Sinopse
Crítica
Ely é uma menina como tantas outras da mesma idade que ela. Aos dezessete anos, vai à escola, conversa com amigas, se arruma para festinhas de fim de semana, trabalha meio-período em uma pet shop, come na hora em que chega em casa e vai dormir tarde, deixando a televisão ligada. Poucas coisas, no entanto, podem despertar a atenção do mais curioso, alertando para algo um tanto deslocado. Pra começar, ela passa suas noites no sofá da sala. Na sala de aula, praticamente ninguém fala com ela. E o único homem com quem tem contato é o seu colega de trabalho. Alguém mais velho. Casado. Com quem transa ocasionalmente no banco de trás do carro dele após uma carona. Como se percebe, ela é Invisível para quase todo mundo. E é nessa tentativa em enxergá-la com um pouco mais de apuro que o cineasta argentino Pablo Giorgelli exerce seu olhar cinematográfico.
Ely tem uma vida cinza. Nada é branco ou preto, está sempre no intermediário, como os cabelos presos ou a jaqueta fechada até o pescoço que usa diariamente. Não lhe sobra cores, formas, gostos ou calores. Tudo é sempre igual, seja em casa, no colégio ou no emprego. Estes poucos momentos com este homem que lhe dirige um mínimo de interesse uma vez que outra parecem ser os únicos em que se sente, de fato, viva. Esse sentimento, no entanto, irá crescer. Não nela, mas dentro dela. Ao descobrir que está grávida, vê-se numa encruzilhada. “Não vou tê-lo”, afirma de imediato. Mais para si do que para os outros – a enfermeira do centro médico, o pai daquela criança que talvez nunca venha a ser alguém, a melhor (e única) amiga. A primeira lhe afirma o óbvio maquinalmente: “estamos na Argentina, e no nosso país o aborto é proibido”. O segundo reafirma, em meio a um suspiro de alívio: “é claro que irá tirá-lo, eu vou te ajudar”. Será aquela que, assim como ela, poucas motivações têm no seu dia, que se demonstra mais ao seu lado: “estou aqui para fazer o que você decidir”.
Manter, tirar ou esperar? Esta é uma decisão que somente Ely pode tomar, e ninguém mais. É curioso perceber a ausência de homens em sua vida. Pai não mais tem – morreu, abandonou a família, pouco importa – e namorados ou colegas de sua idade não lhe interessam. Aquele com quem pratica o ato quase maquinalmente é o elo mais fraco – não chega a ser uma má pessoa, imagina-se, mas também pouco preocupado está com ela, afinal, é no pescoço dele em que pensa em primeiro lugar. Porém, há mais uma presença masculina aqui, esta fortemente envolvida: a do diretor Pablo Giorgelli, responsável não apenas pela condução da história, mas também pela escrita do roteiro. Ele criou essa história, que apesar de similar a tantas outras que diariamente estampam as páginas dos jornais, aqui se manifesta de forma ficcional. São através dos olhos dele que nos deparamos com estes fatos. É um homem, portanto, tentando-se embrenhar em um contexto que não poderia ser mais feminino.
Giogelli, assim como fez em seu longa anterior, o multipremiado Las Acacias (2011), procura-se manter o mais distanciado possível do seu objeto de estudo. A rotina de Ely, as dificuldades em cada tomada de atitude e as consequências imediatas de seus atos são percebidas através de uma análise quase clínica. Isso funciona quando essa postura existe como denúncia e crítica, por exemplo, no caso do aborto – uma prática ilegal, mas ao alcance de todos. A hipocrisia de uma sociedade corrompida é escancarada sem desvios ou contornos: proíbe-se por uma questão moral, ao mesmo tempo em que se estimula a contravenção, o descuido, o perigo e a irresponsabilidade. Porém, quando decide explorar o corpo e a mente dessa mulher, o resultado soa um tanto trôpego, para não dizer malicioso. Vislumbra-se essa garota, quase mulher, sem maiores pudores. Mas tanto cuidado externo reflete-se, também, no que se passa na cabeça de alguém nessa mesma situação?
Ely não tem mais ninguém, a não ser a si mesma. A mãe está afundada na própria depressão, o amante de ocasião quer evitar maiores responsabilidades, o governo e o social estão falidos. Invisível discorre, portanto, sobre esse grande conflito interno que se abate sobre a protagonista. Felizmente, há uma intérprete com peso suficiente para lidar com esse desafio. A jovem Mora Arenillas é uma revelação, e sai-se muito bem frente à responsabilidade que é depositada sobre seus ombros. Seu rosto impassível, sempre prestes a explodir, vai de encontro a essa sensação de inexistência, de quase desaparecimento, porém ainda respirando em busca de um encontro – de luz, de reconhecimento, de afeto. Giorgelli, mais como um voyeur e menos como uma reflexão, está ao seu redor, tanto estimulando o conflito como no anseio por qualquer tipo de reação. Ela, no entanto, é melhor do que isso. Mas o que seria dela sem aquele que a criou. E no embate entre criador e criatura, encontra-se um espectador que mesmo preparado para preencher as lacunas propostas irá se deparar com pontos intransponíveis. Uns óbvios, outros não trilhados. O trabalho, como se percebe, foi feito. Mas, suspeita-se, não da melhor forma.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 6 |
Edu Fernandes | 6 |
Leonardo Ribeiro | 7 |
MÉDIA | 6.3 |
As tomadas são lentas, realistas, cruas. A vida sem glamour, o sexo maquinal, subserviente da protagonista. corpos sem afeto, vidas sem brilho, uma gestação no meio desse grande oco. da vontade de falar com ela. iluminar um pouco sua solidão. dar lhe algum senso de afeto e pertencimento afinal.