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Sinopse

Cansado de investir num relacionamento com Red, Paul se muda para outra cidade do Camboja. Lá ele encontra Tang, um jovem que está disposto a lhe oferecer todo o amor que seu antigo namorado negligenciou.

Crítica

Em um dos diálogos que se tornaram icônicos no clássico Bonequinha de Luxo (1961), o galanteador Paul Varjak (George Peppard), em um arroubo de paixão se declara para a diva Holly Golightly (Audrey Hepburn) com um profundo “eu te amo”, apenas para ouvir como resposta um sincero “obrigado”. A conversa entre os dois pode ter se tornado referência entre relacionamentos de início conturbado – afinal, se ela sentisse o mesmo naquele instante, lhe retornaria com um “eu também” – mas nem toda narrativa que a use como inspiração está à altura do mesmo discurso. É o caso desta co-produção asiática entre Tailândia, Filipinas, Camboja e Vietnã, que já escancara no título as frases I Love You. Thank You., talvez para contar desde o princípio com a simpatia dos familiarizados com a versão original. No entanto, basta conferir o resultado visto em tela para perceber que ele está mais próximo de uma novela mexicana gay do que da sutileza e da elegância do romance de Truman Capote.

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Assim como na Quadrilha de Carlos Drummond de Andrade, em que João amava Teresa, que amava Raimundo, que amava Maria, que amava Joaquim, de amava Lili que não amava ninguém, o mesmo se dá na história escrita e dirigida por Charliebebs Gohetia. Esta versão, no entanto, é completamente masculina. Tang (Ae Pattawan) se encanta à distância por Paul (Joross Gamboa), que mora com o melhor amigo, Red (Prince Stefan), por quem é secretamente apaixonado. Só que este é louco pelo namorado, Ivan (CJ Reyes), que na verdade está em crise, sem saber ao certo o que quer da vida. E entre um início de namoro e o fim de outro, novas possibilidades românticas se darão entre os quatro rapazes, todas construídas a partir de sentimentos confusos, como ciúmes, solidão, carência e desejo.

Em resumo: a impressão que o espectador tira do enredo de I Love You. Thank You. é que ninguém, de fato, gosta do outro. Os envolvimentos entre eles são muito superficiais e gratuitos, como se cada personagem não tivesse o menor aprofundamento psicológico. Tang cruza apenas uma vez em um trem com Paul e já está certo de ter encontrado o amor de sua vida. Paul sofre por Red em uma relação quase masoquista, pois esse só tem olhos para Ivan. E este se declara ‘sufocado’ por tanto amor, preferindo fugir sem deixar vestígios ao invés de lidar com a evidente necessidade do outro em sobrecarregá-lo de gestos e demonstrações de carinho e afeto. Muito disso, claro, vem do fato de estarmos diante de adolescentes e jovens adultos, tipos instáveis e vulneráveis, adeptos à mudanças radicais e sem refletir sobre as consequências de seus atos. São pessoas prontas para errar, e assim fazem. Lamenta-se, no entanto, o fato do próprio diretor não perceber isso, pois os trata com a mesma seriedade e dramaticidade que as figuras ficcionais envolvidas: como se cada rompimento ou aceitação fossem eternos, indo do ‘felizes para sempre’ ao ‘fim do mundo’ em questão de instantes.

Para piorar a situação, I Love You. Thank You. tem sua trama defendida por um quarteto de atores completamente inaptos de executar com o mínimo de consistência a dramaticidade exigida pelos acontecimentos que se desenrolam. O pior é Joross Gamboa, que faz de Paul – o protagonista – uma criação antipática e inverossímil, com o qual o espectador não consegue se identificar em nenhuma das suas decisões. No outro extremo está Prince Stefan, que é o mais exigido pela montanha russa de emoções pela qual Red atravessa. Ele nem sempre consegue atender as exigências de seu personagem, mas ao menos está visivelmente esforçado. O conjunto, no entanto, vem abaixo quando nos deparamos com frases como “acabei de ver o mais belo sorriso, que fez meu coração derreter” ou “a questão de sofrer por amor é que este é um ato que vicia”, ou seja, tudo muito brega e constrangedor. Falta sutileza, tanto nos bastidores como também em cena.

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Mas nem tudo é descartável, e se há algo positivo em I Love You. Thank You. é o fato de que em nenhum momento se problematiza a homossexualidade dos personagens. São rapazes jovens, bonitos, desenvoltos, que enfrentam questões práticas, tanto com suas famílias como no trabalho, e nem por isso deixam de amar e serem amados. Poderiam ser meninos e meninas, ou até mesmo apenas garotas, que não faria a menor diferença para a história a ser contada. Essa naturalidade ao abordar a natureza sexual dos envolvidos merece ser apontada, ainda que seja um dos únicos pontos que se salvam de todo o projeto. Afinal, comédias românticas ruins não são exclusividade da visão mais tradicional de Hollywood.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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