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Sinopse

Cansado de cuidar do hotel, Drácula pensa em se aposentar e passar o comando dos negócios à filha Mavis. No entanto, tem medo que o atrapalhado genro destrua o patrimônio familiar. Durante a comemoração de 125 anos do Hotel Transilvânia, Drácula e Johnny são afetados por uma nova invenção de Van Helsing: um raio capaz de transformar monstros em humanos, e vice-versa. Presos às novas aparências, os dois viajam juntos em busca de um cristal capaz de reverter o feitiço, antes que Mavis e Ericka percebam o que aconteceu.

Crítica

É evidente quando uma franquia de sucesso está dando seus últimos passos. Em Hotel Transilvânia: Transformonstrão (2022), pela primeira vez, o criador Genndy Tartakovsky preferiu não assumir a direção, entregando o comando a dois cineastas sem experiência prévia em longas-metragens. Adam Sandler, ator principal e produtor executivo, escolheu se afastar da saga, deixando o papel do Conde Drácula com Brian Hull. Kevin James também abandonou a voz de Frankenstein, sendo substituído por Brad Abrell. Os estúdios Sony, a única grande produtora sem um serviço próprio de streaming, optaram por vender os direitos da animação ao lançamento diretamente online, sem passar pelo cinema. Nenhum destes fatores implica necessariamente em queda de qualidade, cabe ressaltar. Os cineastas podem ser grandes talentos que esperavam por essa oportunidade, e a menor visibilidade poderia implicar em riscos e inventividade maiores. No entanto, resta a impressão de que a saga de monstros convivendo num castelo chega ao seu episódio final, como se este constituísse um último esforço para extrair algo relevante da marca de sucesso. Em suas trocas de comando e atuação, o quarto filme se assemelha ao primeiro spin-off.

Em termos de estrutura, o roteiro repete um pressuposto frequente em franquias familiares, e já utilizado no terceiro filme — no caso, levar os personagens a um local distante e exótico. Em Férias Monstruosas (2018), a ideia era descansar num destino paradisíaco. Aqui, a trupe precisa viajar a uma selva sul-americana não-identificada para encontrar um cristal precioso. O procedimento consiste em deslocar os heróis a situações inéditas, onde o desconforto e o desconhecimento levem ao humor. No caso, vampiros precisam se adaptar ao sol de um país tropical; monstros habituados ao castelo enfrentam a natureza selvagem e, por fim, aprendem a abraçar a diferença. “É preciso procurar o bem em todas as pessoas”, afirma um diálogo próximo da conclusão. O quarto filme oferece a metamorfose em versões opostas (humanos se tornam monstros, e vice-versa) para que consigam, literalmente, se colocar no ponto de vista alheio e perceber as dificuldades dos outros. O texto inclusive brinca com Sexta-Feira Muita Louca (2003), assumindo o clichê das trocas de corpos. Para o longa-metragem, resta enfrentar um desafio: conceber a aparência dos monstros, transformados em humanos, e de Johnny (Andy Samberg), convertido numa figura monstruosa.

A imagem das pessoas em corpos alheios se encarrega do principal (e único) motivo cômico da produção. Drácula ganha uma barriga ingrata e revela a calvície; a múmia adquire os contornos de um senhor sonolento; o sujeito invisível de óculos consistia, na verdade, num homem nu. Estas figuras surpreendem dentro de um registro lúdico — afinal, a saga inteira se baseia na construção de corpos modeláveis, similares à massinha ou ao slime. A construção das aparências sempre foi ajustável, conversível, a exemplo de uma criança modificando seus bonecos para a brincadeira. Entretanto, uma vez definidas as versões opostas de Wayne, Griffin, Murray, Drácula, Frankenstein e Johnny, os roteiristas não têm a menor ideia do que fazer com as identidades transformadas. Os coadjuvantes possuem função nula na jornada, concentrada somente em Drácula e no genro. Mesmo Mavis e Ericka lutam para encontrar uma atividade a desempenhar, em paralelo. Resta a premissa de uma guinada de personalidades e poderes, jamais explorada a contento. Todos os monstros são prontamente identificados por suas vozes, e se adaptam sem conflitos à condição humana. As possibilidades da farsa (confusão de identidades, ajuste à alteridade) são eliminadas desde o começo. Os diretores Derek Drymon e Jennifer Kluska pretendem que a imagem de um corpo desajustado seja engraçada em si. 

Não seria absurdo apontar um ranço conservador nesta traquinagem, capaz de sugerir que cada pessoa deva se conformar com seu corpo biológico, porque se tornaria patética numa aparência distinta — a leitura de transfobia paira no horizonte. Em paralelo, espectadores da América do Sul devem ficar incomodados com esta enésima representação de uma selva repleta de bichos mortais, ao lado de uma pequena cidade caótica onde os ônibus coloridos carregam galinhas em seu interior. Para um projeto tão interessado em defender a abertura ao outro, Hotel Transilvânia 4 efetua uma representação pouco elogiosa das diferenças. Sem dúvida, estes aspectos são diluídos pelo teor veloz, multicolorido e nonsense que se tornou o traço definidor da saga. O elenco de vozes efetua trabalho exemplar, mesmo em papéis pequenos, enquanto os novatos cumprem sem dificuldade a função de substituir Adam Sandler e Kevin James — Brian Hull consegue manter a identidade sonora de Drácula em sotaque e trejeitos. As sequências do baile no castelo, e da confusão no zepelim, comprovam a habilidade dos cineastas para o humor do caos — quanto mais figuras em cena, atrapalhando-se sem parar, melhor. As mensagens de amor ao próximo, de perdão, do valor da união e afins se encarregam de conferir uma aparência benevolente e ingênua ao conjunto.

Há diferentes maneiras de analisar esta iniciativa. Enquanto “aventura suplementar”, ou seja, uma desculpa inédita para colocar Drácula e seus amigos em perigo, serve ao propósito desejado. A conclusão é previsível: qualquer espectador compreenderá que os obstáculos constituem meras provas para que saiam fortalecidos e convertidos em pessoas melhores. Enquanto encerramento de uma história, falha em conferir um desfecho apropriado aos personagens e atar as pontas da franquia. A cena inicial parte de uma recapitulação dos três filmes anteriores, porém o encerramento deixa caminhos abertos para produções seguintes, ou talvez, para séries e produtos derivados. Em se tratando de um produtor de sucesso, o final jamais pode ser considerado definitivo. Os estúdios Sony testaram diretores estreantes, solicitando que seguissem rigidamente os moldes do antecessor. Por um lado, existe um fator de reconforto em descobrir um conteúdo semelhante àquele aprovado nos casos precedentes. Por outro lado, há igualmente a decepção de encontrar uma ferramenta de sustentação, mero “filme a mais”, espécie de episódio de uma série procedural que poderia se inserir em qualquer ordem, sem prejuízo do conjunto. Para o bem ou para o mal, Hotel Transilvânia: Transformonstrão se rende a uma lógica de mercado, segundo a qual é preciso oferecer produtos atualizados da marca, mesmo que possuam pouco a oferecer de novo se comparados com a versão anterior. Mas a máquina precisa continuar em funcionamento.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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CríticoNota
Bruno Carmelo
5
Robledo Milani
4
MÉDIA
4.5

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