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Se há algo a ser dito sobre Heartstone é que, à primeira vista, o filme pode ser mais uma produção sobre a descoberta da sexualidade no início da adolescência. Temos dois garotos e duas meninas que estão com os hormônios começando a aflorar, o que os leva a uma jornada de experimentações afetivas e carnais. Porém, o primeiro longa-metragem do jovem diretor islandês Gudmundur Arnar Gudmundsson discute muito mais que isso. É uma produção sobre espaços. Mais ainda, a respeito de como o ambiente pode influenciar as tomadas de decisões ao longo da vida, especialmente quando tudo ainda é muito inédito. Por vezes falha na concepção de sua premissa, mas levanta o debate para além da sessão.

É nas paisagens desérticas e frias de um pequeno vilarejo de pesca que os amigos Thor (Baldur Einarsson) e Christian (Blaer Hinriksson) aproveitam o fim da infância. Entre pescas, corridas e destruições de objetos e veículos, um deles tenta a todo custo conquistar o coração de uma das garotas, Beta (Diljá Valsdóttir) e Hanna (Katla Njálsdóttir), que se encontram no mesmo estágio da vida. Só que, em meio à transição do calor para o frio, Christian começa a questionar seus sentimentos e atração pelo melhor amigo. É claro que esse turbilhão causa uma montanha-russa de emoções numa fase em que tudo começa a ser intenso.

A câmera do cineasta acompanha cada passo e gesto de seus protagonistas de forma muito próxima. O simples toque, o movimento dos braços, permite à direção um ar intimista que permeia toda a inquietação dos garotos. É como se Gudmundsson procurasse respostas para o comportamento dos meninos, como se quisesse entrar em suas mentes, tamanha a proximidade denotada pela decupagem. Por vezes até o espaço se torna claustrofóbico, como numa metáfora sobre o que se passa com esses personagens tão presos dentro de si, e seus sentimentos que querem explodir, mas encontram barreira na insegurança e inexperiência de quem nem chegou aos 14 anos ainda.

Por outro lado, quando os rapazes conseguem minutos de paz e fuga de suas próprias ideias, a câmera se afasta, como se permitisse e respeitasse os momentos em que as preocupações dos protagonistas são menos acerca do que se passa dentro de si, e mais sobre o aproveitar um simples dia de sol. A Islândia se torna outro personagem, que modifica os meninos de acordo com a estação, seja inverno ou verão. Quando o diretor fecha os planos nos protagonistas, a atmosfera fica mais densa e escura. Quando ele possibilita ao público se ambientar, onde todos estão, a claridade das imagens causa uma espécie de conforto. É o movimento das águas ao redor da ilha, fria pela luz baixa, assim como a forma de se relacionar dos personagens.

O coração de pedra do título original encontra sua metáfora no peixe-pedra, que tem um coração realmente duro, assim como sua aparência fora do padrão. Afinal, como não ser aquilo ao qual estamos determinados desde o nascimento? Como ser fluido, seja social ou sexualmente, se o mundo lá fora estabelece o que devemos ser, no que acreditar, no que se espelhar? O diferente causa medo, repulsa. É feio, não deve ser integrado. É o pai homofóbico de Christian, que não sabe lidar com a suposta sexualidade do filho. É a mãe de Thor, tachada de piranha e puta, porque tem uma vida sexual ativa com diversos parceiros. Ela é separada, qual o problema nisso? Naquele vilarejo, tudo que sai do normal causa uma resposta violenta. E não é assim em todo o mundo?

Porém, é claro que o diretor não pretende ficar apenas na experimentação visual, ainda que encontre outro paralelo nesse quesito ao explorar cada “primeira vez” de Thor e Christian. É o primeiro beijo, a primeira transa, a primeira percepção sobre as mudanças no corpo. É a autoestima que começa a se desenvolver – positiva ou negativamente. É o dedo na ferida do outro, para esconder as próprias mágoas e inseguranças. É o retrato do ser humano em formação. E isso é universal, seja na Islândia gelada ou nos trópicos brasileiros. Os espaços nos moldam ou nos adaptamos a eles de forma consciente? É a pergunta que Heartstone faz. A resposta não é única e nem fácil. Talvez nem exista. Mas Gudmundsson abre interpretações a todo o momento. É o questionamento incessante que faz a vida rodar e avançar. E, para um primeiro longa-metragem, o cineasta entende muito bem como isto funciona na Sétima Arte.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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