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Sinopse

Em uma casa isolada no campo, Lukas e Elias, dois irmãos gêmeos de nove anos, vivem com a mãe que está se recuperando de um procedimento cirúrgico estético. Com seu rosto e inchado e repleto de ataduras, a mãe exige absoluta paz e sossego para que possa se recuperar, mas é justamente a inquietude dos meninos faz com que ela se torne cada vez mais rígida. Nesse ambiente agressivo, a imaginação dos dois garotos começa a fazer com que eles fiquem cada vez mais assustados.

Crítica

No filme austríaco Boa Noite, Mamãe!, uma mãe (Susanne Wuest) de gêmeos (Lukas e Elias Schwarz) sofre uma perda muito grave da qual mal consegue se recuperar. Em uma tentativa de superação da crise, que na verdade apenas reflete um mecanismo de negação seguido de um processo gradativo de anulação pessoal, a mulher sem nome opta por uma drástica cirurgia de reconstrução facial. Com um pós-operatório delicado, ela passa os dias trancada em uma casa de campo. Vagando entre ambientes vazios e quadros fantasmagóricos, evita a companhia dos filhos.

Com o tempo, a mãe torna-se intolerante. Dando sinais de desequilíbrio, exige dos filhos silêncio absoluto e um comportamento subserviente para que sua recuperação seja tranquila. Porém, os dias passam e os conflitos se multiplicam, muitos deles resultando em castigo. A mudança de personalidade é rapidamente percebida pelos gêmeos, que passam a duvidar se aquela mulher é mesmo sua mãe. A crise de identidade dela e a desconfiança deles chegam a um limite, provocando a revolta dos meninos em uma tentativa incontrolável para descobrir a verdade.

O núcleo familiar é nosso primeiro meio de socialização. O convívio com pais e irmãos estabelece vínculos e estimula mecanismos ancestrais de simbolização pelos quais transmitimos os conteúdos psíquicos que integram o inconsciente coletivo. Estes arquétipos são as imagens primordiais constitutivas de um imaginário muito amplo que, de um lado, provoca nosso enraizamento antropológico e, de outro, permite uma série de apresentações e representações que ajudam a estruturar sociedades e culturas. Os próprios arquétipos de pai, mãe e criança são algumas das imagens pregnantes compartilhadas por todos e sobre as quais desenvolvemos sentimentos diversos. A perda de um integrante da família geralmente causa uma dor muito grande, não apenas pelo desaparecimento físico da pessoa em si, que se transforma invariavelmente na presença de uma ausência, mas também devido ao abalo causado pelo suposto apagamento das figuras simbólicas de pai, mãe, irmãos ou avós, componentes fundamentais na complexificação dos indivíduos.

Transitando entre cenas explícitas e o poder da sugestão no que diz respeito à violência familiar, a força do longa encontra-se justamente na capacidade de abordar adequadamente algumas das imagens simbólicas que atravessam os sujeitos das formas mais potentes. A figura materna representada pelo filme remete ao arquétipo da Grande Mãe, que não é necessariamente uma figura boa. Esta reúne em si uma dualidade de coincidências opositoras que a torna uma imagem dúbia, podendo ser igualmente bondosa e maléfica dependendo do contexto no qual se apresenta. O mesmo serve para as crianças, que guardam em si valorizações e condutas positivas e negativas, podendo chegar aos dois extremos em função de situações que as estimulem para tanto.

Fazem parte desta miríade de possibilidades uma série de simbolismos definidores do clima geral de ambiguidade, tensão, mistério e suspense que marcam o filme. Em meio a uma postura majoritariamente autoritária por parte da mãe, que desliza entre a ordem centralizadora e anarquia dispersa oriunda do afastamento que impõe aos filhos, são significativas as poucas cenas em que ela se mostra delicada, vestindo roupas leves, vaporosas, quase espectrais, ora mirando-se ao espelho ora realizando tarefas ao sol.

Ao mesmo tempo, são fortes os dispositivos que contextualizam os gêmeos, como suas incursões pelo mundo natural da floresta, esfera da qual estamos distantes e que, por isso, nos remete a mistérios e perigos inauditos. Os meninos correm entre árvores antigas e vasculham o breu ameaçador de cavernas esquecidas onde nada pode ser visto. Em um momento, brincam de forma infantil na chuva. Em outros, fazem um nervoso jogo de esconde em uma lagoa turva ou lutam entre si de forma agressiva na banheira, reforçando todo um simbolismo aquático ligado à morte estudado exaustivamente por filósofos como Gaston Bachelard.

Há também indícios importantes sobre a dimensão psicológica dos gêmeos no que diz respeito ao contato com animais. O resgate de um felino machucado, salvo em uma gruta, e a criação de insetos rasteiros, inquietos, que estimulam o fervilhar larval e assustador geralmente ligado ao que é impróprio, são sinais da complexidade dos garotos. Acima de tudo, é marcante o fabrico de máscaras e a estruturação de códigos ritualísticos segundo os quais os dois definem sua nova conduta frente à mãe.

Outro elemento definidor do filme é o fogo, simbolizando em alguns casos o acalento necessário aos irmãos fragilizados pelo afastamento materno e, em outros, a necessidade de purificação do seio familiar por meio da destruição de antigas estruturas. Assim, Boa Noite, Mamãe! se estabelece na dualidade de imagens pregnantes e na pluralidade por vezes contraditória das psiques dos personagens, cujas faces e motivações só ficarão nítidas ao final do filme, quando máscaras caem e sujeitos se erguem.

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é jornalista, doutorando em Comunicação e Informação. Pesquisador de cinema, semiótica da cultura e imaginário antropológico, atuou no Grupo RBS, no Portal Terra e na Editora Abril. É integrante da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul.
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