Crítica
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Sinopse
Vampira que se mantém viva através aos séculos ao se alimentar do sangue de seus amantes, Miriam se depara com o envelhecimento acelerado de seu parceiro, John.
Crítica
Fome, sede, sono: elementos básicos a todos os seres vivos. E aos mortos, seria assim também? Ao menos de acordo com o senso comum, sim. Mas e se fosse diferente? Como seria ter que lidar com questões tão triviais tendo outra perspectiva – muito mais ampla, ambiciosa, voraz – sobre a vida e a morte? A que sacrifícios estaríamos dispostos enfrentar para alcançar uma utópica existência eterna, que suplantasse aqueles ao nosso redor, inclusive aos que mais amamos. E, em última instância, é possível manter-se vivo sem ninguém por perto que comprove o feito? Estas e outras questões igualmente pertinentes transcorrem o desenrolar da trama de Fome de Viver, filme realizado em 1983 e que hoje, trinta anos depois, permanece tão emblemático e perturbador quanto na época de seu lançamento.
Considerado polêmico em sua estreia principalmente pelas fortes cenas de selvageria e pelo ostensivo uso do lesbianismo como objeto de conquista, Fome de Viver chama – e muito – atenção também pela estética de videoclipe que começava a se construir e pelo visual publicitário que dava os primeiros passos para invadir a seara cinematográfica. O ritmo é lento, mas a edição é precisa na sincronia com a trilha sonora e com o desenrolar dos movimentos coordenados pelos personagens. Há poucos diálogos – em resumo, apenas quando estritamente necessários – mas a importância que a imagem adquire revela um cuidado preciso com a mensagem a ser transmitida. Afinal, a intenção é que perdure na memória através do impacto causado aos olhos do espectador. O nível é mais inconsciente do que racional.
Logo nas primeiras cenas, acompanhamos o casal Blaylock numa noite de festa. Os dois saem acompanhados de uma outra dupla, e num apartamento qualquer eles se dividem: John (David Bowie, com o physique du rôle perfeito para o papel) vai com a garota para a cozinha, enquanto que Miriam (Catherine Deneuve, mais bela e gélida do que nunca, num dos seus raros trabalhos em Hollywood) fica com o rapaz na sala. À medida que a música aumenta, a tensão cresce e o desejo entre eles ultrapassa o convencional, atinge-se o esperado: os dois rasgam suas presas e consomem avidamente o sangue que jorra de suas veias. Pronto, mais uma refeição bem sucedida.
É curioso perceber que em nenhum momento de todo o desenrolar da história é pronunciado o termo ‘vampiro’. John e Miriam são apenas seres especiais, diferentes, mais do que humanos, que vivem eternamente – ou quase isso. A mitologia que o filme propõe é muito específica: eles saem à luz do dia, podem beber outras bebidas, não se transformam em morcegos, seus poderes são muito mais sutis e intuitivos e, desprovidos de caninos afiados e protuberantes, necessitam do auxílio de algo pontiagudo e prático que faça o serviço. Mas há mais, e o que se descobre lentamente é que Miriam é a parte-alfa do casal, quem escolhe seus parceiros à dedo e suga deles sua existência, cuja única razão de ser é mantê-la eternamente jovem. Mas com o tempo – ainda que sejam séculos – esses parceiros eventualmente se esvaem, perdendo suas utilidades. E neste instante é necessário escolher aqueles que os substituirão.
O terceiro vértice do triângulo proposto em Fome de Viver é preenchido por uma jovem Susan Sarandon, já hábil e interessante o suficiente para defender com eficiência sua personagem, uma médica dedicada a encarar a longevidade da vida como um objeto de estudo. Sua teoria é de que a velhice é uma doença, e como tal, pode ser curada. Por pensamentos como esse que ela acaba se envolvendo com John, num primeiro momento, e com Miriam, de uma forma muito mais intensa. É fundamental entender este filme sob a ótica vigente no momento em que foi concebido, num mundo em que efeitos especiais inexistiam tais quais os conhecemos hoje em dia, em que o moderno era muito mais efêmero e que o não-dito poderia ter uma significância muito mais relevante do que algo explicado passo a passo.
Tony Scott, anos depois, viria a dirigir bobagens eficientes como Top Gun: Ases Indomáveis (1986) e O Sequestro do Metrô 123 (2009), mas poucas vezes foi em sua carreira tão autoral como quando nessa estreia que até hoje repercute. Vindo da publicidade e da televisão, ele se mostra ávido por deixar uma marca impressa no celuloide. Porém se apoia em elementos que hoje são anacrônicos e até mesmo caricatos. Mas Fome de Viver é mais do que uma estética ultrapassada, e sim um retrato de uma época embalado por um conceito realmente interessante, que ganha outras possibilidades de leitura a cada novo olhar.
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