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Sinopse

Vivendo no subúrbio de Connecticut, nos Estados Unidos, nos anos 1950, um jovem casal luta para vencer problemas pessoais enquanto tenta criar seus filhos e entender-se num mundo dado às convenções.

Crítica

Mais de 10 anos se passaram para se reencontrarem, mas um dos casais mais famosos do cinema está de volta às telas, e agora destruindo a magia e ilusão do filme anterior: Foi Apenas Um Sonho, com Leonardo DiCaprio e Kate Winslet, pode ser encarado como o oposto de Titanic (1997). Enquanto este mostrava o início de uma história de amor, o novo filme revela como é amargo o final de qualquer paixão. E no trabalho do diretor Sam Mendes este conceito vai além: é o fim do amor pelo companheiro, pela família, pelos amigos... enfim, pela própria vida.

Kate e Leo aparecem mais uma vez como um casal. Do primeiro encontro para a casa no subúrbio com dois filhos foi um pulo só. Sim, porque até aquele momento tudo era excitação, descoberta, alegria. Quando a rotina cai e se faz necessário encontrar novas motivações nas pequenas coisas do dia a dia, o peso das existências se faz mais presente. Ele trabalha no departamento contábil de uma grande empresa, a mesma que o pai dele trabalhava, e em muitos aspectos repete a trajetória paterna – apesar de não gostar do que faz, suporta com bom humor e empenho o fardo diário, recebendo em troca das condições necessárias para sustentar uma bela família num lar acolhedor. Volta e meia encontra uma amante, fazem encontros com casais amigos e buscam suas válvulas de escape. Para ela, no entanto, é um pouco diferente. Assim como a maioria das mulheres da época – e estamos falando dos anos 50, pouco depois da Segunda Guerra Mundial – não havia muito a ser feito além de garantir a ordem em casa, o bom comportamento dos filhos e a felicidade do marido na cama. Só que ela queria mais. Buscava mais, ansiava por mais. Precisava de algo diferente.

Quando os dois se conheceram, num diálogo muito revelador que se dá no início do filme, ele diz ser só mais um operário, enquanto ela afirma ter muitos sonhos e que desejava seguir a carreira de atriz. Bem, nem sempre nossas pretensões douradas se realizam. Na grande maioria das vezes, não passam de ser apenas isso: uma vontade que fica na memória. Ela até foi adiante, tentou, mas o talento não a acompanhou. E, resignada, voltou-se à vida familiar. E o que era ruim para si foi transformado numa decepção para todos ao seu redor. Aquela determinação de que “a felicidade está em outro lugar que não aqui” sempre é muito frustrante. Sem se encontrar, apostava numa ideia fantasiosa de largar tudo e recomeçar do zero. Chega a ser triste perceber o brilho nos olhos dela enquanto convence o companheiro de que somente em Paris eles poderiam se realizar enquanto seres humanos. Enquanto homem e mulher. Enquanto amantes e espíritos diferenciados. Só que mais difícil do que ser especial é conseguir resistir à mediocridade.

Foi Apenas Um Sonho tem muitas similaridades com o primeiro longa de Mendes, o muito mais bem-sucedido Beleza Americana (1999). Ambos falam do fim de uma realidade perfeita. Só que o que antes era provido de muita ironia e sagacidade, desta vez carrega apenas amargura e decepções. São personagens solitários, perdidos e muito infelizes. E o maior de todos é a esposa, uma mulher que sofre de depressão profunda e de grande insatisfação por não conseguir lidar com suas limitações. E, neste processo, termina por destruir todas as chances de paz e tranqüilidade daqueles que insistem em permanecer ao seu lado, com o marido e filhos. Eles tinham tudo para estarem realizados – uma boa casa, dois filhos saudáveis, uma gravidez à caminho, uma promoção no emprego – porém, quando algo está errado internamente, corroendo qualquer esperança, não há nada que venha de fora que possa mudar este quadro.

Premiado com o Globo de Ouro de Melhor Atriz (Winslet) e indicado ainda a Melhor Filme – Drama, Direção e Ator (Di Caprio), Foi Apenas um Sonho frustrou as expectativas na hora das indicações ao Oscar, tendo sido lembrado em apenas três categorias: Melhor Ator Coadjuvante (Michael Shannon, como um vizinho esquizofrênico que tem apenas duas aparições, mas que simplesmente rouba a cena em cada uma delas, se revelando numa atuação hipnotizante), Direção de Arte e Figurino. Não chega a ser favorito em nenhuma delas, mas mesmo assim é pouco diante de uma obra que provoca grandes reflexões e instiga um debate filosófico forte e pertinente em tempos como os nossos, em que o consumismo e a fugacidade das relações as tornaram cada vez mais descartáveis. Baseado no livro de Richard Yates (escrito em 1967 e ainda atual), este é um filme que merece um olhar cuidadoso e delicado. Certamente não irá conquistar multidões como na primeira vez em que os dois protagonistas atuaram lado a lado. Mas oferece lições de vida muito mais preciosas.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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