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Sinopse

Crítica

Evitando caminhos convencionais ao documentário, Filme Paisagem aborda a vida e a obra do paisagista, pintor e escultor Roberto Burle Marx, com ares ora de confissão e estesia, ora de explanação. Recorrendo a expedientes ficcionais, o cineasta João Vargas Penna ilustra a narração do ator que, então, dá voz aos escritos do protagonista com recriações livres dos episódios relatados, vide a brincadeira de criança marcada pela presença de um menino de calças curtas ou a menção à mãe, caracterizada por uma atriz vestida como se no início século XX. Esse recurso bastante explorado em outras produções traz um sabor fantasmático ao resgate, exatamente porque as figuras em cena se referem a presenças e ações pertencentes ao passado. Intentando criar uma dinâmica poética, no entanto, o filme acaba resvalando no piegas, recorrentemente sendo salvo desse espaço incômodo pela beleza dos planos, por um senso estético alinhado ao do personagem explorado de maneira monocórdica, mas com doses flagrantes de sensibilidade e reverência.

Findo esse primeiro momento, fundamentado na dramatização como forma de complementar uma narrativa essencialmente visual e pendente ao lírico, Filme Paisagem adota um procedimento não menos combalido pela reiteração. Com o ator Amir Haddad fazendo às vezes de Burle Marx ao interpretar os textos do artista, o longa-metragem passa pelas esferas íntimas e profissionais sem dissocia-las, deixando os cenários da meninice e da juventude para discorrer sobre os jardins e demais projetos paisagísticos que ele fez ao redor do mundo. A despeito de determinados instantes em que a imagem e a fala se entrelaçam emotivamente, no geral o visto serve tão e somente como representação do que se está dizendo. Se o narrador menciona a suntuosidade das plantas brasileiras, a necessidade de privilegiar exemplares nativos na construção de projetos urbanos e residenciais, a câmera se volta a esses espaços, o que cria uma estrutura viciada e propensa à monotonia.

Filme Paisagem ganha potência quando, mesmo aproximando banalmente visuais e sons, demonstra as opiniões contundentes de Burle Marx sobre questões importantes, principalmente as relacionadas à necessidade de preservar a vastíssima variedade da flora brasileira. Portanto, sempre que o personagem é deslocado ao âmbito público, manifestando-se a partir de um lugar de militância fervorosa pela natureza – chegou, inclusive, a descobrir mais de 30 plantas, todas devidamente batizadas com a junção de seus sobrenomes –, o conjunto ganha força e diversidade. O documentário apenas menciona parcerias e influências importantes, como a do arquiteto Lúcio Costa, urbanista responsável pela cidade de Brasília, um dos incentivadores desse notório paulistano criado no Rio de Janeiro. Aliás, a Cidade Maravilhosa é mostrada como um canteiro ideal à sua criatividade. Há descrições detalhadas dos trabalhos na orla de Copacabana e vislumbres belos do aterro do Flamengo.

Afetado negativamente pela repetição de termos e circunstâncias, Filme Paisagem, no entanto, dá conta de deflagrar as particularidades da visão de Burle Marx quanto à relação entre arquitetura e natureza. Em partes capitais, o filme parece uma aula ditada pelo mestre que tem consciência de sua excepcionalidade, com postulados sobre a interação entre as linhas dos prédios e a organicidade dos jardins. Já em outras, se assemelha a uma rememoração recheada de paixão por um ofício tão laborioso quanto bonito. O paisagismo é, então, elevado à categoria de moldura do sublime, por organizar as belezas naturais, agrupando de acordo com uma concepção humana texturas, cores, formas e afins. O principal ponto fraco é a linguagem excessivamente compartimentada, com segmentos definidos por engendramentos sem tanta variação, do que decorre um fastio contraproducente. Em que se pese isso, há um resgate nobre, que merece a nossa atenção.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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