Crítica


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Sinopse

Uma ode à memória de Paulo Gustavo, humorista que deixou um legado antes de morrer por conta da Covid-19.

Crítica

Paulo Gustavo (1978-2021) foi um verdadeiro fenômeno. Ainda que não tenha sido o maior campeão de bilheterias do cinema nacional, como chega a ser apontado em Filho da Mãe – oficialmente, pelos dados da ANCINE, o título recordista é Nada a Perder (2018), com 12,1 milhões de ingressos vendidos (por mais que essa informação seja contestada), enquanto que, pelo conjunto da obra, é provável que Renato Aragão (e Os Trapalhões) seja o verdadeiro líder no montante – tudo o que alcançou durante a sua curta carreira foi, no mínimo, impressionante. Da mesma forma como surgiu como um furacão, também se foi antes do esperado – e no auge da fama – como, provavelmente, a mais notória vítima no Brasil da pandemia do Covid-19. Por tudo isso, a simples existência de um documentário em sua homenagem, registrando essa passagem fulgurante – e de imenso impacto – se faz, sim, justa. O fato de ser dirigido por Susana Garcia (com quem trabalhou em diversos projetos e de quem era amigo pessoal) e reunir praticamente todo mundo que foi importante em sua trajetória faz desse, se não o testemunho perfeito, uma obra de imenso respeito e elucidativa não apenas sobre quem ele foi, mas também o que representou a tantos fãs, admiradores e, até mesmo, curiosos.

Pensado primeiro como um carinho e sinal de gratidão para com a própria mãe – de quem, provavelmente, herdou a veia artística e também serviu como inspiração para sua maior personagem, a Dona Hermínia – o espetáculo Filho da Mãe – no qual Paulo Gustavo e Déa Lúcia se apresentavam juntos no palco, interpretando algumas das canções mais importantes do repertório materno (ela, sim, uma cantora de carreira), além de dividirem com a plateia presente histórias e anedotas surgidas a partir da relação dos dois – acabou emprestando o título para o filme que inverteu conceito, graças a uma tragédia do destino, e hoje existe (para a posteridade) como tributo sobre a vida e carreira de um ator e comediante que, em pouco mais de uma década, tomou o país de assalto e mudou radicalmente a vida daqueles com quem conviveu (ou, ainda assim, com sua arte tiveram contato).

As primeiras cenas são já em cima do palco, diante de uma plateia completamente entregue e animada. Nem todo mundo irá reconhecer, mas se trata de Porto Alegre, que não foi a estreia (e nem o desfecho) de uma turnê de imenso sucesso por todo o país. O que se percebe, portanto, é que já havia uma intenção desse registro dos bastidores, que permitisse revelar um lado mais familiar – e menos distante daqueles que o conheciam apenas como a celebridade inalcançável – e menos ensaiado, por mais que seu jeito tão natural e espontâneo de atuar tenha deixado fortemente impressa, tanto em colegas de profissão, como em sua audiência, a impressão do quão fácil vestir tal personalidade lhe era, como se tudo fosse sempre feito de improviso. A verdade, como agora se sabe, não poderia estar mais distante. Paulo Gustavo suava antes de dar entrevistas (e nem sempre concordava em concedê-las, tamanha era a sua timidez), tremia antes de começar cada espetáculo e fazia questão, sim, de ensaios. Por mais que estes, assim como as apresentações, geralmente ficassem mais ao redor das risadas do que de um passo a passo programado.

Garcia, sua diretora em filmes como Minha Vida em Marte (2018) e Minha Mãe é Uma Peça 3 (2019) – que, juntos, levaram mais de 15 milhões de pessoas aos cinemas – possui intimidade suficiente não apenas para saber o que mostrar (ou não) sobre Gustavo, mas também como desenvolver – e a quem chamar – para abordar cada um dos tópicos escolhidos. Ciente de que a estrela é ele (e ninguém mais, nem mesmo sua mãe), não se preocupa em reinventar a roda. Assim, o formato é assumidamente tradicional, com cabeças falantes dando depoimentos nos mais diversos modelos e situações, desde posições combinadas (com cenários calculados e figurinos pensados especificamente para a ocasião, como parece ser o caso dos familiares), como também em outras menos coreografadas, por assim dizer, e por isso mesmo, mais reveladoras (como acontece com aqueles que faziam parte da mesma “turma”, cujas emoções parecem estar mais à flor da pele). A impressão faz sentido. Afinal, pais, irmã e até mesmo o viúvo não são pessoas acostumadas aos holofotes, além de já terem tido seu período pessoal para se dedicar ao luto. Já amigos e companheiros de profissão são convidados a reviver histórias há muito guardadas. A emoção transcende a tela.

Ao término de quase duas horas de projeção, no entanto, Filho da Mãe pode deixar junto àqueles que acompanharam Paulo Gustavo mais de perto uma sensação de “mais do mesmo”, ou seja, é ele que está no centro das atenções, obviamente, mas o que de novo há a ser oferecido a um público carente por novidades? A relação dele com a mãe já foi muito explorada na trilogia Minha Mãe é uma Peça, e também em suas montagens teatrais. A parceria com figuras como Monica Martelli, Marcus Majella e Ingrid Guimarães era também recorrente em seus trabalhos, e mesmo o início de sua vida como intérprete, ao lado de outros futuros astros, como Fábio Porchat, não chega a ser por demais aprofundada. Sua homossexualidade e o que representou para a causa LGBTQIA+ num país conhecido internacionalmente pela homofobia generalizada também é mencionada quase que de passagem, algo na linha “sua vida foi o exemplo, ele nunca precisou ser militante”, o que, se não deixa de ser verdade, também oferece um gosto amargo ao se pensar na diferença que uma postura mais assertiva de sua parte poderia ter causado. Enfim, eis aqui um bonito – e emocionante, sem dúvida – adeus. Mas é bom não esperar grandes revelações, polêmicas ou controvérsias. Esse é um filme de e para o Paulo Gustavo. Goste ou não do resultado, é uma escolha defendida até o último instante.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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