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Sinopse

Andrew é um advogado de sucesso que trabalha num escritório conceituado. Mas, quando ele descobre ser portador do vírus HIV, seu mundo muda radicalmente, Despedido, Andrew contrata um colega para processar o escritório.

Crítica

O que um cineasta faz após vencer um Oscar por um brilhante suspense como O Silêncio dos Inocentes (1991)? Um filme completamente diferente. Isso, claro, se o diretor em questão for Jonathan Demme. Em uma época em que a AIDS ainda despertava muitas dúvidas, medo e desconfianças, Filadélfia chegou para enfrentar a doença de frente e ensinar uma ou duas coisas para o espectador. Muito além de ser a respeito de uma séria doença, esta é uma obra contra preconceitos. De forma minuciosa e muito sensível, Jonathan Demme compôs um filme que quebrou barreiras à época, trazendo performances maiúsculas da dupla de protagonistas, Tom Hanks e Denzel Washington.

Na trama, assinada por Ron Nyswaner, Andrew Beckett (Hanks) é um advogado em franca ascensão na firma onde trabalha. Recém convidado como sócio, recebe nas mãos a responsabilidade de uma grande conta, uma ação milionária que poderia transformar sua carreira para sempre. Beckett trabalha duro, mas uma estranha doença acaba o afastando do escritório por alguns dias. Tudo é feito nos conformes, o advogado entrega todos os papéis necessários mas, na hora decisiva, alguns documentos são extraviados – e, logo depois, encontrados. Pela confusão, Beckett é demitido. Ou é isso que seus chefes querem que ele acredite. O advogado tem certeza de que seus superiores descobriram da sua homossexualidade e que a doença que o deixou afastado era a AIDS. Por causa disso e não pelos papéis perdidos, teria perdido o emprego. Empreendendo uma verdadeira batalha de David contra Golias, Beckett convida o popular advogado Joe Miller (Washington) para defendê-lo. O problema é que o próprio Miller tem problemas com homossexuais e se assusta apenas ao ouvir a palavra AIDS. Esta dupla improvável enfrentará os poderosos chefões da antiga firma de Beckett atrás de justiça.

Tom Hanks já havia sido indicado ao Oscar anteriormente pelo seu trabalho em Quero Ser Grande (1988). Mas foi com Filadélfia que o ator deu a guinada na carreira que o transformou em um dos astros mais respeitados e premiados da década de 1990. Até então, Hanks não era convidado para muitos dramas. Sua primeira incursão no gênero foi no pouco visto É Difícil Dizer Adeus (1986), ainda que a dramédia Nada em Comum, lançada naquele mesmo ano, mas poucos meses antes, já tivesse exigido um pouco da faceta dramática do ator.

Em Filadélfia, não existe espaço para gracejos. É um personagem difícil, passível de cair no estereótipo barato. Pela exigência do papel, e pela entrega do ator, o Oscar foi merecidíssimo naquele ano. Hanks faz um homossexual que esconde de seus chefes o fato. O desafio do ator então é convencer como alguém que precisa calcular seus movimentos, maneirar no tom, não cometer deslizes. E, o pior, ter de aguentar as gracinhas e preconceitos dos seus supostos amigos de firma. Se nesta primeira parte do filme, Hanks convence, na segunda, o ator se supera, perdendo peso e exibindo a decadência de seu estado físico através da doença. Sua cena mais impactante (e, possivelmente, a que o fez ganhar o Oscar) é um tour de force no qual a câmera está fechada em seu rosto, a luz é difusa e Maria Callas canta a plenos pulmões a ária La Mamma Morta, da ópera Andrea Chérnier, de Umberto Giordano. Andrew Beckett traduz com pesar a mensagem da canção, sob o olhar estupefato de seu advogado, Joe Miller.

Ainda que não seja tão falado quanto Hanks, Denzel Washington merecia ser mais reverenciado por sua performance em Filadélfia. O ator vive um retrato aproximado de muitas pessoas na década de 1990, homofóbico e com pavor da AIDS. Sem informações precisas sobre a doença e em uma época em que se revelar homossexual era tabu, Joe Miller foi o representante de muitos espectadores. Espera-se que, da mesma forma que o personagem muda sua mentalidade com o decorrer da história, o público também siga o exemplo. Os olhos de Washington dizem muito sobre seu personagem. Quando Beckett revela que tem AIDS, a expressão estupefata do advogado não esconde seu medo. Na cena na biblioteca, quando os dois finalmente começam a trabalhar juntos, repare que Miller toca no livro de Beckett apenas no lado intocado pelo seu futuro cliente. Esta distância entre os dois é quebrada paulatinamente, quando Joe começa a compreender que ali ao seu lado está um ser humano e a entender o quão ridículo é o seu preconceito. Uma grande amizade surge a partir dali.

Jonathan Demme é um diretor bastante minucioso, que tem o talento de contar sua história através de imagens. Pode parecer óbvio dizer isso, mas em tempos em que os filmes são soletrados para os espectadores, com diálogos expositivos e nada elegantes, Demme tem a qualidade de conseguir transmitir o que deseja só com sua câmera. Realiza um insuspeito filme de tribunal que tem como objetivo entreter e educar. As informações sobre a transmissão do vírus HIV são valiosas, em uma cena que nas mãos de outro cineasta poderia soar expositiva. Aqui, parece naturalíssima. E se é verdade que Demme ousa, mas calcula até onde pode chegar, isso não atrapalha o resultado final do filme. A maior crítica fica para o namoro entre Andrew Beckett e Miguel (Antonio Banderas), que é afetuoso, mas inexiste o beijo. Travas da época.

Utilizando-se muito bem da trilha sonora composta especialmente para o filme – a abertura com Streets of Philadelphia, de Bruce Springsteen, vencedora do Oscar, é memorável e o encerramento, com Philadelphia, de Neil Young, motiva lágrimas só em ouvir as primeiras notas do piano – Jonathan Demme consegue entregar um trabalho emocionante e muito importante para a época – e que se mantém relevante mesmo 20 anos depois de seu lançamento.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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