Crítica


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Sinopse

O filme é um recorte da vida de Catarina, pesquisadora do campo da física quântica que trabalha com espaços sonoros na imagem. Ao mesmo tempo um mergulho em sua pesquisa e em sua vida.

Crítica

“É possível que o som fique propagando na matéria por um tempo indeterminado?”. A pesquisadora Catarina (Roberta Rangel) lança esta pergunta a si mesma, em tom introspectivo. Ela tem dúvidas sobre os frutos de seu trabalho em física quântica, apesar da evidente paixão pelo tema. Catarina efetua uma pesquisa pouco acessível, aparentemente sem qualquer forma de supervisão ou cobrança. Ela leciona para um único aluno, que chega sempre atrasado, em uma universidade paralisada pela greve. Na maior parte do tempo, fica sozinha em casa, observando suas imagens sonoras e se masturbando com certo desinteresse. Mesmo o desaparecimento do gato não lhe provoca qualquer transformação digna de nota.

Catarina constitui a presença ausente de um filme hermético. Enquanto não apresenta conflitos propriamente ditos, Fendas oferece ao espectador gestos cotidianos desta mulher (o fato de colocar as lentes de contato, anotar coordenadas da pesquisa), indícios de um contexto não explicado (as caixas fechadas indicando a mudança de casa) e uma desconexão com o meio ao redor. Por que Catarina não adere à greve – ou ainda, o que ela pensa a respeito da greve? O que tantas frases em panfletos e cartazes têm a dizer sobre a personagem? De que maneira a crítica a “pessoas entorpecidas” se reflete num filme igualmente entorpecido? “Tem alguém aí? Se tem, me manda um e-mail!”, grita a protagonista aos ventos da praia, em busca de um interlocutor invisível. Quem diria que, nos novos tempos, mesmo o suplício à natureza busca resposta por correio eletrônico.

Há várias sugestões de desenvolvimento narrativo ao projeto. Em alguns instantes, o espectador se depara com a possibilidade de loucura de Catarina, ou ao menos a incapacidade de distinguir o real e o imaginário. Depois, aproxima-se da crítica política contra o “homem branco conservador”, valorizando o ponto de vista feminino. Após o relato de viagem do aluno, sugerindo um efeito particular da luz por entre as rochas, pode-se imaginar que Catarina viajará àquele lugar para a finalidade de pesquisa. Ora, nenhuma dessas possibilidades interessa ao filme, rígido em sua sucessão de gestos rotineiros, seus lentos zoom-ins em direção à atriz sentada no sofá ou atrás de uma mesa, repetindo os recursos de luz e o tom plácido de fala.

A monotonia é certamente prevista e controlada pelo diretor Carlos Segundo que, no entanto, enfraquece o potencial de sua obra por não encontrar uma forma adequada ao conteúdo. Por mais interessantes que sejam os borrões abstratos da pesquisa efetuada pela protagonista, eles não impedem que o questionamento sobre o espaço-tempo fique restrito aos diálogos. Fala-se sobre um tema fascinante, que jamais contamina a estética, incapaz de encontrar alguma metáfora para representar o papel dessas fendas e a sensação de estar e não estar em algum lugar ao mesmo tempo. Nem mesmo a percepção aguçada da protagonista sobre as luzes e as imagens traz qualquer consequência formal ao drama, que se contenta com a alusão a fenômenos físicos.

Rumo à conclusão, Fendas enfim encontra alguma espécie de poesia sob a forma de uma correspondência à distância. A trama, que havia avançado tão pouco até então, corre para apresentar fatos importantíssimos, atropelando algumas questões emocionais, talvez com receio de transformar o filme numa experiência clássico-narrativa demais. Por mais confortável que Roberta Rangel esteja em seu papel, e por mais naturalistas que sejam os diálogos (Segundo sabe dirigir muito bem as conversas), resta a impressão de uma personagem opaca. “Luz é tudo”, diz uma amiga, ao que Catarina consente. De fato, para a física e para o cinema, luz é tudo, porém nem esta aproximação ganha real aprofundamento no filme. Fendas atravessa sua duração através de uma experiência vaporosa, como um sonho, sem representar o peso de tantos desaparecimentos e mortes em torno de sua protagonista.

Filme visto na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2019.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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Bruno Carmelo
4
Ailton Monteiro
6
MÉDIA
5

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