Crítica


8

Leitores


1 voto 6

Onde Assistir

Sinopse

O único desejo iminente de Greg é passar despercebido no último ano do secundário. Ele passa horas refazendo cenas de filmes clássicos com seu amigo Earl. Sua vida muda ao se aproximar de Rachel, colega com leucemia.

Crítica

Acontece raramente em Hollywood de um escritor adaptar o próprio livro para os cinemas. Uma fórmula que, quando é possibilitada de acontecer, tem se mostrado um sucesso: William Peter Blatty escreveu e adaptou O Exorcista (1973), Gillian Flynn fez o mesmo com o seu Garota Exemplar (2014), e Stephen Chbosky, não satisfeito em ser autor do livro e do roteiro, também se empenhou em produzir e dirigir As Vantagens de Ser Invisível (2013). E embora esteja com certeza fadado a ter uma repercussão menor do que a de qualquer um desses exemplos, este longa aqui adaptado da obra homônima de Jesse Andrews pelo próprio, não deixa de possuir o seu charme e se mostrar um pequeno sucesso.

postfull-watch-an-exclusive-me-and-earl-and-the-dying-girl-clip-from-justjared-olivia_thomas2

Greg (Thomas Mann) é um adolescente dissimulado, que prefere vestir diversas facetas provisórias a ter de assumir uma fixa, que é substituída por um constante mau humor e a falta de ambição. Para passar o tempo, o garoto gosta de fazer, junto com o seu “colega de trabalho”, Earl (RJ Cyler), versões pobres e caseiras de seus filmes favoritos. De um Cidadão Kane (1941) ambientado em um asilo, até um Perdidos na Noite (1969) que, na verdade, se passa durante uma tarde, seus “remakes” são sempre preenchidos com um humor anárquico e que, sem muito trabalho, revelam um espírito crítico, ainda que estagnado em ambos. Isso até o dia em que a mãe de Greg o obriga a ir falar com uma colega de classe que tem leucemia. É assim que ele conhece Rachel (Olivia Cooke), alguém que vai desajustar o equilíbrio da rotina pacata habitada pelo protagonista.

É sintomático que, como no próprio filme de Chbosky, esteja surgindo uma tendência cada vez maior de filmes adolescentes que se concentram não em paixões melosas, mas sim em relações pragmáticas de pré-adultos com desejos de se desconectar do mundo em constante troca de dados e informações. Ainda neste processo, encontram a conexão com o próximo – ainda que As Vantagens... tivesse a desculpa tecnológica de se passar na década de 1990. Afinal, falamos de toda uma geração que já nasceu praticamente conectada. Por isso não é grande surpresa essa necessidade através da arte de expressar a vontade de ficar momentaneamente “offline". A tendência ao desapego insinuada pelo personagem de Mann surge justamente através de seus modos fingidos em frente aos colegas em aula, do humor nulo quando não é obrigado a "performar" e de gestos simples como não permitir que ninguém mais assista aos seus filmes para que não existam experiências em comum. Ainda nesse campo, ele também nunca se refere a Earl como “amigo”, temendo que um dia o garoto o deixe de ser. Um medo facilmente compreensível em um adolescente que cresceu na realidade de amizades feitas e desfeitas com a facilidade de um clique no mouse.

1

Desse ponto de vista, Mann faz um trabalho tanto expressivo quanto corporal admirável, ao encarnar sem apostar em exageros as mudanças a que Greg se impõe. Em certo momento, por exemplo, em uma mesa do refeitório, ele passa do amigo afetuoso de Rachel para o babaca implicante que interpreta para conquistar uma outra menina e, por fim, para o seu próprio eu amedrontado, sem fazer muito mais do que modular a voz. Enquanto isso, RJ Cyler investe em uma performance que se destaca pelo contraste, uma vez que seu Earl é comicamente sincero ao extremo e monocórdio. O que leva a Rachel, figura em torno da qual gira o conflito principal do longa-metragem, e talvez por isso mesmo, a mais insípida de todas. Não é interessante ao filme se dedicar a desenvolvê-la muito. Todos os seus diálogos, pelo contrário, parecem voltados a aprofundar os personagens com quem ela está falando. Funciona, não só porque Andrews acrescenta sabiamente falas de seu próprio livro, como “não é mais um filme sobre pessoas morrendo de câncer”, em clara implicância com A Culpa é das Estrelas (2014), mas também porque, com isso, ele admite que pouco lhe interessa sentimentalismos, e sim o distanciamento social e emocional de um garoto que nunca teve um solo firme de relações em que pisar.

Um rapaz que baseou sua construção psicológica em redes sociais virtuais e práticas, tendo suas principais interações afetuosas com obras de ficção ou documentário que duram pouco mais ou menos de duas horas. Não por acaso, Greg vai tentar enganar o espectador várias vezes, como um bom diretor tenta desviar a atenção do público para aquilo que quer trazer depois; e nem que o clímax do projeto se dê durante a exibição de uma de suas produções caseiras. Assim sendo, é inteligente que o design de produção preencha abundantemente o universo habitado por Greg com referências cinematográficas, enquanto a trilha se preocupa em resgatar temas familiares aos ouvidos de qualquer cinéfilo. É nesse mundinho preenchido pela ficção em que o protagonista vai sofrer sentimental e fisicamente o processo de ter de firmar os pés na realidade das relações humanas.

Sem título4

Eu, Você e a Garota que Vai Morrer é menos óbvio e bem mais eficiente do que um Cidades de Papel (2015), por exemplo, e realmente está mais ao nível de As Vantagens de Ser Invisível, embora jamais alcance o equilíbrio narrativo e filosófico do primoroso feito de Stephen Chbosky. Ainda assim, é visualmente interessante – o diretor Alfonso Gomez-Rejon aposta constantemente nos “chicotes de câmera”, viradas rápidas em pan, típicas da filmografia de Martin Scorsese, não por acaso amplamente referenciado pelos pôsteres nas paredes de Greg – além de conseguir manter uma fluidez divertida. Algo que deve ser mais mérito de Andrews do que da direção, esta responsável anteriormente por inúmeros dos pavorosos episódios de Glee e American Horror Story. No final, além de um filme divertido baseado em um livro carismático, fica também para se notar a participação de alguns bons coadjuvantes, papel em que, aliás, cada vez mais tem sido bom ver Jon Bernthal.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
avatar

Últimos artigos deYuri Correa (Ver Tudo)

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *