Esqueceram de mim no Lar, Doce Lar

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Sinopse

Max é um menino engenhoso que é deixado para trás quando a família decide ir passar as férias no Japão. Essa criança terá de utilizar toda a sua esperteza quando sua casa for vítima do ataque de invasores estranhos.

Crítica

Precisamos falar de uma prática que vem se tornando infelizmente comum em Hollywood: o remake disfarçado de continuação ou reboot. A estratégia consiste em pegar uma marca consolidada e lhe dar um verniz novo, mas não tão novo assim, já que há um reaproveitamento dos princípios básicos da obra original. Sabe aquela comida gostosa que sobrou do jantar e que a gente repagina para o almoço do dia seguinte? É isso. Por exemplo, Star Wars: O Despertar da Força (2015) é uma mal disfarçada refilmagem de Star Wars: Episódio IV – Uma Nova Esperança (1977), pois uma reciclagem camuflada de “nova aventura”. Em ambos os filmes temos um Zé Ninguém vivendo num planeta inóspito (no caso, os dois em Tatooine) que é chamado à ação extraordinária, rapidamente se tornando uma peça fundamental da rebelião por ser extremamente poderoso. E o cineasta J. J. Abrams combinou esses componentes-chave do filme setentista com pitadas de nostalgia estrategicamente situadas no enredo – personagens emblemáticos e outros gatilhos do saudosismo. Esqueceram de Mim no Lar, Doce Lar se vale exatamente do mesmo procedimento. Não é uma refilmagem do clássico Esqueceram de Mim (1991), mas repete desavergonhadamente os passos fundamentais do filme estrelado por Macaulay Culkin. Abrams trouxe velhas figuras e ícones (como a Millenium Falcon) para excitar os nostálgicos fãs de Star Wars e criar elos pontuais com uma tradição. Dan Mazer faz mesma coisa por aqui.

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Para garantir que haja uma conexão com as produções anteriores, em determinado momento da trama aparece um personagem conhecido de Esqueceram de Mim, o irmão mais velho do protagonista, Buzz (Devin Ratray). Atualmente policial, ele menciona que o caçula, Kevin, brinca anualmente por ter sido abandonado duas vezes pela família. Portanto, Max (Archie Yates) habita o mesmo universo ficcional de Kevin. Em outro ponto, alguém está assistindo a um filme na TV, precisamente a refilmagem sci-fi de Angels with Filthy Souls, a história de gângsteres que Kevin utiliza como aliada contra os bandidos. E, claro, que vem a piadinha: “nossa, não sei porque essa mania de fazer remakes de obras consagradas”. Se trata de uma antecipação pseudo-espertinha do que boa parte da crítica e do público vai falar justamente de Esqueceram de Mim no Lar, Doce Lar. Mas, voltando à fórmula, uma vez colocados os ingredientes saudosistas, e as diferenças? O protagonista desta nova produção não é Kevin e tampouco a confusão acontece na casa agitada da família McCallister. O menino esquecido da vez é Max, ele que não tem uma briga homérica e sequer é colocado de castigo no aterrorizante sótão da casa. A confusão doméstica pré-viagem é a mesma do filme original, mas aqui são negligenciados todos os aspectos que, inclusive, validam o encerramento feliz do título anterior. Não vemos os irmãos do menino e conhecemos seu pai de relance. Max simplesmente adormece no carro e perde a sua hora.

A grande alteração em relação a Esqueceram de Mim é o fato do protagonista não ser o garoto esquecido pela família na noite de Natal. Como assim? É isso mesmo que você leu. Os personagens principais de Esqueceram de Mim no Lar, Doce Lar formam a dupla que tenta entrar na casa de Max, os equivalentes aos indefectíveis Bandidos Molhados do longa original. As “ameaças” são  agora um pai e numa mãe desesperados para conseguir pagar as contas e evitar a venda de seu endividado lar. Acreditando que Max roubou um boneco, cujo valor pode tirá-los da pindaíba, eles decidem armar um plano para resgatar o artefato. Desse modo, passamos bem mais tempo acompanhando os dilemas de Pam (Ellie Kemper) e Jeff (Rob Delaney) do que os do menino supostamente indefeso deixado para trás. Antes, a ameaça era simples: arrombadores que aproveitam o feriado para assaltar residências vazias de famílias em férias. Desta vez há a tentativa de trazer à tona uma motivação nobre para a entrada sem permissão na propriedade alheia. Seguindo a cartilha irritante dos falsos remakes, Dan Mazer fica com um olho no peixe e outro no gato, ou seja, cria essa nova dinâmica que parte de uma perspectiva inversa – pois o menino vira coadjuvante –, enquanto cria situações de contato com Esqueceram de Mim, vide a mãe desesperada no aeroporto para voltar. O que não tem a mínima importância. Aliás, a chegada do irmão de Jeff com a mulher e o filho para as festas natalinas também é bem irrelevante.

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Esqueceram de Mim no Lar, Doce Lar tem uma criança esquecida no Natal, uma mãe em pânico ao descobrir a situação bizarra e estranhos sendo repelidos, como se estivessem num desenho animado, pela astúcia infantil de quem transforma a casa num campo minado de engenhosas armadilhas. Tudo isso, ou seja, os elementos que remetem a Esqueceram de Mim, é praticamente descartável. Para justificar o protagonismo do casal “assaltante”, Dan Mazer praticamente anula Max, o transformando num personagem pouco interessante. No original, Macaulay Culkin vivia um pequeno travesso, primeiramente feliz por ter sido esquecido, mas logo saudoso de toda a agitação de seus parentes. Víamos ele indo às compras, criando uma rotina de sonhos para qualquer criança (“Pessoal, estou comendo bobagem e assistindo a porcarias. É bom virem me impedir”) e sendo valente para proteger seu território. Já Max, coitado, não tem esse espaço. O tempo antes dedicado a tornar fascinante o personagem mirim agora é dado aos patetas adultos e careteiros. O filme original foi escrito por John Hughes, alguém que colocava divergências geracionais em primeiro plano. Em Esqueceram de Mim, Kevin sente saudade dos pais que “não o entendem”  ao “perdê-los”. Já na mal disfarçada refilmagem, essa noção morre em função da jornada estabanada de um homem e de uma mulher que não encontram solução melhor para pagar a hipoteca. Todos os subtextos são limados e mesmo a ação deliciosamente caricatural do longa dirigido por Chris Columbus é substituída por uma pouco inspirada sequência de truques sonolentos.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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