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Sinopse

Tomo, de apenas 11 anos, passou por uma situação traumática: foi abandonada pela mãe, Hiromi, que decidiu sair de casa. Agora, ela passou a viver com seu tio, Makio, e sua namorada, Rinko. Inicialmente ela se vê envolta por pensamentos confusos, após descobrir que Rinko é uma mulher transexual. Tomo, no entanto, vai acabar descobrindo o verdadeiro sentido de família.

Crítica

Hiromi (Mimura) não nasceu para ser mãe. Tanto que diz, em alto e bom som: “antes da maternidade, vem o fato de eu ser mulher”. Talvez por isso não consiga parar num emprego, e nem mesmo na própria casa. Afinal, a cada novo namorado, larga tudo e joga nessa paixão – que, como bem sabemos, deverá ser efêmera. Quem acaba sofrendo com essa inconstância é a pequena Tomo (Rin Kakihara), que já conhece a rotina: ao se ver sozinha, é a tio, Makio (Kenta Kiritani) a quem deve recorrer. Ele, porém, não está mais sozinho, e ao levá-la para sua casa, a apresenta para Rinko (Tôma Ikuta), sua namorada. Entre-Laços, longa escrito e dirigido por Naoko Ogigami, apresenta esse cenário com cuidado, sem atropelos, nem demoras. E ao final desse primeiro ato, inclui mais um elemento de extrema importância para o que virá a seguir: Rinko é uma mulher transexual.

A situação, no entanto, não chega a ser uma surpresa – afinal, vinha sendo tramada aos poucos. Ao chegar no colégio, Tomo encontra no quadro negro a palavra “viado” escrita em letras maiúsculas, deixando claro o bullying que rola entre os garotos na hora do intervalo. Logo depois, ao voltar para casa, se recusa a falar com um menino afeminado, que não só é da mesma classe que ela, como também é seu vizinho. “Não fale comigo, ou senão vão pensar que sou como você”, diz a ele rispidamente, antes de partir com pressa. O tema da intolerância sexual é forte nessa comunidade no interior do Japão. Este é outro fator que desperta curiosidade: não estamos numa metrópole, o que poderia significar um avanço cultural, mas também a presença da religião não se faz de forma opressiva, o que explicaria tanto preconceito. Esse comedimento, por outro lado, se reflete também na própria dramaturgia: o casal protagonista, Makio e Rinko, mal se encosta durante toda a ação, e se chegam a trocar um beijo em um único momento, esse se dá de forma tímida, quase fraternal.

Levantando mais dúvidas do que oferecendo respostas, o filme de Ogigami segue a jornada da pequena Tomo. Aos poucos, ela vai se afeiçoando por Rinko, mesmo diante do desconforto que a mãe dessa representa, ou do confronto que pode significar a simples ida à sala de aula, a partir do momento em que seus colegas descobrem onde – e com quem – ela está vivendo após o abandono materno. “Você não deveria ficar perto de pessoas como essa”, lhe diz a mãe do menino que também sofre preconceito, sem nem perceber os problemas enfrentados pelo próprio filho. Por outro lado, a carência de Tomo é tamanha que essa pode ser a melhor explicação para a facilidade com que se aproxima de Rinko – sem nenhuma figura feminina por perto, ela consegue superar sua homofobia inconsciente, encontrando na casa do tio a família que tanto sente falta.

Ogigami, no entanto, não se contenta em apenas explorar esse drama sob a ótica infantil. Ao trazer outros assuntos potencialmente polêmicos para o debate, ele apenas acrescenta pontos de interesse, sem se debruçar com a devida atenção sobre eles. Temos a questão do desaparecimento da mãe, chegando até mesmo a uma visita do Conselho Tutelar, mas nada ganha maiores repercussões. Já a pressão vivida pelo menino da casa ao lado, que arrisca uma tentativa de suicídio, poderia render, por si só, um filme à parte – mas tudo que ganha são alguns minutos no hospital, além de uma conversa rápida entre as duas crianças. Há uma vontade nítida em discutir estes assuntos, e somente por levantá-los o filme já cumpre importante tarefa. Mas há também o risco deles serem encarados com leviandade pela audiência, justamente por não serem explorado em toda a sua abrangência. Aponta-se para várias direções, mas qual caminho é, de fato, percorrido?

Premiado com uma menção honrosa da mostra LGBT do Festival de Berlim, Entre-Laços leva ainda às últimas consequências uma curiosa analogia – a do tricotar como recurso terapêutico para acalmar os nervos e relevar a incompreensão dos outros diante de algo tão simples como a formação de uma nova realidade, tão possível como necessária. Uma personagem, ao ser questionada sobre “o que é ser normal”, sem saber o que responder, simplesmente afirma: “ora, normal é... o que não é estranho”. E diante tamanha incompreensão, Rinko, Tomo e até mesmo Makio tricotam a todo instante, pois fugindo daquilo que os rodeia podem, enfim, encontrarem a si mesmos. A forma lúdica de lidarem com o problema que, na verdade, é mais dos outros do que deles, serve também como lição. E, à despeito de um ou outro percalço, este é o maior mérito dessa história: mostrar que, mais do que suas partes individuais, o que importa, em última instância, é o conjunto. Seja um filme ou uma família, independente de como ela - ou ele - se apresente.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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