Crítica


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Sinopse

As várias lutas contra o preconceito racial enfrentadas por Jorge, um típico herói brasileiro que combate no dia a dia os resquícios deixadas por uma sociedade escravocrata. Negro, ele se torna um símbolo das revoluções que colocaram o Brasil como expoente na luta de classes.

Crítica

É uma lástima que o grande diretor de teatro Antunes Filho tenha realizado apenas um longa-metragem em sua carreira. Com a qualidade que observamos em Compasso de Espera, seria ótimo tê-lo visto atrás das câmeras em outros trabalhos cinematográficos. Cruelmente atual, o filme escancara o preconceito racial no Brasil, seja ele velado ou não, concebendo um protagonista negro que, na tentativa de ser aceito pela sociedade, busca na educação e no diálogo suas armas. Filme-manifesto, Compasso de Espera tem incríveis atuações de Zózimo Bulbul e Elida Palmer e uma estreante chamada Renée de Vielmond, grande revelação.

Na trama, Jorge (Bulbul) é um poeta que trabalha em uma agência de publicidade capitaneada por Ema (Palmer), uma rica mulher branca com quem ele tem um caso. Na noite em que lança seu novo livro, o rapaz encontra uma jovem modelo, Cristina (Vielmond), com quem já havia esbarrado antes na agência, e a atração é mútua. Os dois começam um caso, mas Jorge não consegue se livrar de Ema – além de ter sido importante para ele no passado, ela já tentou suicídio em ocasiões anteriores de rompimento. Dividido entre essas duas mulheres, Jorge busca na família seu reduto, mas é confrontado pela irmã Zefa (Léa Garcia), que o acusa de ter esquecido suas raízes, tentando ser quem não é. Em seu caminho, o poeta ainda se depara com exemplos de preconceito rasgado, como o que encontra dolorosamente em uma viagem à praia com Cristina.

É triste notar que um longa-metragem produzido no final da década de 1960 e lançado em 1973 possa ser tão atual quanto esse Compasso de Espera. Exemplos de preconceito racial (ou de gênero, como é rapidamente pincelado no roteiro, em cena relâmpago de Stênio Garcia) são observados ainda hoje no país, com pouca ou nenhuma diferença do que víamos há 40 anos. “Não sou preconceituoso, tenho uma amante pretinha”; “Ele é negro de alma branca”; “Essa branca tinha que estar com outro branco, não com um negro”; Estes são apenas alguns exemplos de disparates que ouvimos durante o filme e que, infelizmente, não parecem ter desaparecido no interim entre o lançamento deste trabalho e a nossa sociedade atual. Por colocar o dedo na ferida e mostrar de forma absolutamente aberta essa cicatriz de nossa história, Compasso de Espera já mereceria lugar inconteste na lista de grandes filmes nacionais. Mas não é só em sua temática que o filme acerta. O trabalho de elenco é primoroso – uma amostra do que Antunes Filho já fazia nos palcos – e a fotografia em preto e branco de Jorge Bodanzky é simplesmente arrebatadora.

A montagem de Charles Fernando Mendes de Oliveira é outro ponto a ser ressaltado, com elipses precisas, mantendo um ritmo forte em toda a metragem do longa. Por vezes, a edição toma para si recursos expressionistas, exibindo ao espectador os sentimentos do protagonista. Talvez uma das cenas mais fortes e ousadas do longa, na qual Jorge e Cristina são molestados e agredidos por pescadores no litoral, seja o melhor exemplo da junção de todos esses talentos na construção de uma sequência assustadoramente intensa.

Por ser um filme-manifesto, Antunes Filho permite muita verborragia. Poderia ser um grande problema caso o texto não fosse acima da média. Mesmo quando algumas situações são praticamente telegrafadas pelo roteiro, ainda se salva sempre algum diálogo ou comentário feito pelos personagens. Por ter esse caráter de denúncia, não raro ele vê necessidade em ser óbvio, para deixar claro suas intenções com aquela história que está contando. Isso não tira de Compasso de Espera muitos pontos, ainda que possa incomodar quem deseja algo mais sutil. Da forma como é realizado, poderia ser utilizado até hoje em escolas, mostrando os malefícios de uma conduta preconceituosa.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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