Crítica


7

Leitores


2 votos 5

Onde Assistir

Sinopse

Uma garota tímida, moradora da pequena cidade de Ohio, nos Estados Unidos, ama cinema intensamente, mas não gosta da realidade. Lucy descobre os filmes deliciosamente excêntricos de Federico Fellini e começa uma viagem estranha e bonita pela Itália para encontrá-lo. Ao longo do caminho descobre muito além do que jamais esperou.

Crítica

Acima de qualquer coisa, este é um filme-homenagem, uma carta de amor desbragada a Federico Fellini. O cineasta Taron Lexton começa, inclusive, se valendo das palavras do Maestro para, assim como ele, apartar-se do realismo, porém sem afastar-se da verdade. Embora em Em Busca de Fellini essa opção seja, inclusive, conveniente, pois ajuda a “justificar” determinadas facilidades nas quais o roteiro incorre, ela se mostra bastante condizente com a jornada da protagonista, Lucy (Ksenia Solo), jovem de 20 anos, criada desde sempre pela mãe num refúgio de fantasia. Aliás, quem conta a motivação desse forte afetivo que Claire (Maria Bello) constrói prematuramente à sua menina é a tia Kerri (Mary Lynn Rajskub), que obviamente desaprova o fato da irmã ter criado a filha numa redoma pretensamente refratária às maldades do mundo. O cinema aqui desempenha papel fundamental, vide, para começo de conversa, as frequentes sessões de A Felicidade Não Se Compra (1946), de Frank Capra.

Logo após uma desilusão na primeira entrevista de emprego de Lucy, prova inicial da sordidez de um entorno incompatível com a sua inocência, esta é tragada para uma retrospectiva dos filmes de Federico Fellini. Ali, especificamente diante de A Estrada da Vida (1954), ela não apenas conhece um cinema totalmente diferente, muito distante do otimismo de Capra, ao qual está inteiramente acostumada, mas percebe-se frente a uma nova forma de ver as coisas, profunda, nem sempre tão palatável, todavia capaz de modificar uma vida como a sua. Lexton faz questão de, para ampliar o caráter onírico dessa iniciação, rechear a plateia com cosplays de personagens dos longas-metragens famosos do gênio italiano. A paixão da protagonista é ajudada pelo videocassete que a permite conhecer Fellini intimamente. Ignorante quanto à doença terminal que acomete a sua mãe, ela decide, intempestivamente, ir à Itália para encontrar seu novo ídolo. Não é algo verossímil, mas aqui faz todo o sentido.

A chegada de Lucy em Verona é um divisor de águas em Em Busca de Fellini. Já na Velha Bota, o filme mergulha abertamente na simbologia da obra de Fellini. A primeira aproximação, até então sutil, mas logo escancarada, é a entre a jovem sonhadora e a igualmente incauta Gelsomina, personagem imortalizada por Giulietta Masina em A Estrada da Vida, mulher vendida por sua mãe a um artista mambembe de comportamento irascível. Ksenia Solo busca emular o olhar sonhador de Giulietta, esse encantamento confuso diante das descobertas de uma realidade completamente nova, cheia de som e fúria. No decorrer do longa, outras referências aparecem com função expressiva, por acessar o imaginário de Fellini. Numa festa específica, podemos ver Guido (Davide Devenuto), corporificação do cineasta acossado por uma crise criativa em 8 ¹/² (1963). Uma loira voluptuosa remete diretamente a Anita Ekberg, ícone de A Doce Vida (1960) e do segmento felliniano do episódico Boccaccio '70 (1962).

Mesmo optando por caminhos simplistas em determinados momentos, Em Busca de Fellini emociona pela maneira singela e absolutamente reverente de estofar a trajetória de Lucy com componentes específicos do universo de Fellini. De certo ponto em diante, especialmente quando a protagonista se joga de cabeça num processo de crescimento emocional, a doença terminal da mãe, bem como a relação com a tia que permanece para zelar por sua saúde, perde importância, tornando-se somente algo relevante perifericamente. Taron Lexton pede licença ao Maestro para repaginar Gelsomina, ou, melhor dizendo, para valer-se de suas características mais marcantes, condensando na equivalente contemporânea uma visão particular da importância das realizações de Fellini, propondo-se a contornar a tragédia a fim de oferecer uma possibilidade concreta de felicidade, no fim das contas. Importante é o percurso, o que faz Lucy deixar de ser menina para transformar-se em mulher. Com tintas fellinianas, tudo isso fica mais mágico.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deMarcelo Müller (Ver Tudo)

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *