
Sinopse
Em El Jockey, Remo é um jóquei lendário. No dia da corrida mais importante de sua carreira, ele sofre um grave acidente, desaparece misteriosamente do hospital e passa a vagar pelas ruas de Buenos Aires. Enquanto tenta entender o que aconteceu, é implacavelmente caçado por um perigoso mafioso. Esporte/Crime.
Crítica
De volta ao comando de longas desde O Anjo (2018), o cineasta Luis Ortega parece ter aproveitado o período pandêmico para recalibrar sua cinefilia. Aqui, ele tece uma rede de influências que mistura a exuberância de Pedro Almodóvar, a estranheza de David Lynch e a simetria calculada de Wes Anderson, servida como prato principal em um restaurante portenho. Entre doses de loucura e pinceladas de crítica social, El Jockey desponta como a empreitada mais ambiciosa do realizador. Tudo conduzido pelo fio magnético de seu protagonista, que nos arrasta para dentro dessa narrativa de contornos pouco previsíveis.
Na trama, conhecemos Remo Manfredini (Nahuel Pérez Biscayart), jockey excêntrico, capaz de vencer qualquer corrida de turfe, mas atolado em alcoolismo e dependência química. Não fosse sua habilidade inquestionável nas pistas, estaria fora de jogo, pois vive na corda bamba com investidores e dirigentes. Desde o início, percebemos que seu comportamento autodestrutivo ameaça não apenas o relacionamento com Abril (Úrsula Corberó), como também a paciência dos que lucram com suas vitórias. Em disputa decisiva, sofre grave acidente, é levado ao hospital e, a partir daí, sua vida segue por trilhas insólitas e fantasiosas.
Manfredini é daqueles personagens que cativam logo no primeiro olhar. Seja pela ousadia, pelo gestual desconcertante ou pela aura nonsense, há nele algo de irresistível. Pérez Biscayart, já testado em trabalhos anteriores, mergulha aqui em desafio incomum: após o acidente, precisa nos guiar por jornada de autodescobrimento que contesta sanidade e identidade. É nesse território que sua figura, semelhante a de Jesuíta Barbosa e Tilda Swinton, capaz de transitar entre masculinidade e feminilidade, revela-se crucial. Num instante homem, noutro mulher, Remo precisa “morrer e nascer de novo” para compreender quem é.
Nesse sentido, chama atenção como Emilia Pérez, também lançado em 2024, percorre rota curiosamente paralela, embora com estética problemática. Mas, aqui, Ortega, ao lado de Rodolfo Palacios e Fabián Casas – dupla responsável por roteiros de acidez como Os Delinquentes (2023) – aposta no onírico, no estranho e no cômico para moldar o protagonista, sem nunca anular sua essência. Distante dos exercícios minimalistas de Caja Negra (2002), projeto que o deixou famoso, o cineasta abraça a grandiosidade visual e narrativa, oferecendo ao espectador um banquete de estímulos.
A quem se dispuser a adentrar o universo cômico e desajustado de El Jockey, vale o aviso: nem todas as perguntas encontrarão respostas, mas muitas sequer precisam delas. Procurar sentido além da superfície pode comprometer a experiência. Mais proveitoso é se ater às falas e silêncios, que carregam mais peso do que sequências pensadas para confundir. A entrega é única, capaz de provocar discussões acaloradas, deixando no ar a sensação de que Ortega ainda tem muito a nos servir nesse cardápio tão particular.
Filme conferido no Bonito CineSur: Festival de Cinema Sul-Americano 2025;
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