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Sinopse

Nos anos 1950, o diretor de cinema Ed Wood se envolveu com um bando de atores desajustados, incluindo um Bela Lugosi em fim de carreira, para realizar seu filme mais famoso. Apesar do seu entusiasmo, todos os seus esforços resultaram em produções de de péssima qualidade, que o fizeram passar para a história como o pior diretor de todos os tempos.

Crítica

Ed Wood talvez seja o filme mais pessoal, menos característico e mais apropriado de toda a carreira de Tim Burton. E os motivos para cada um destes argumentos são evidentes. Primeiro, porque é uma obra que fala sobre cinema, sobre uma cineasta que fugia dos padrões mas, mesmo assim, possuía um séquito fiel. Depois, porque ao contrário da maioria dos trabalhos que o tornaram conhecido e popular, aqui não vemos super-heróis, fantasmas, monstros, alienígenas, vampiros, universos inacreditáveis ou surreais: é tudo normal, sobre pessoas iguais a todos nós, e a fantasia fica apenas no campo da ficção. E, por fim, fala-se de um homem cuja trajetória encontra paralelos na vida pessoal do realizador – com a diferença do sucesso, que se para um foi inalcançável, o outro, felizmente, desfruta.

Edward D. Wood Jr. foi uma pessoa realmente incomum. Um verdadeiro apaixonado pela sétima arte, sempre se imaginou capaz de fazer parte deste mundo. E se lhe faltava talento para tanto, isso nunca foi um empecilho sob o seu ponto de vista – afinal, de acordo com a sua perspectiva, tudo o que fazia era muito bom, se não perfeito. Essa falta de senso estético – afinal de contas, tudo o que fazia era terrivelmente ruim – era compensada por uma energia constante e contagiante, tão intensa a ponto de motivar outros sonhadores a lhe seguirem e embarcarem em seus propostas. Obras que, de um jeito ou de outro, acabaram entrando para a história – ainda que não do modo que estes que colaboraram com suas realizações desejavam.

É esta jornada que é contada em Ed Wood, o filme. O projeto, na verdade, nasceu longe das mãos de Burton. Quem primeiro teve a ideia foram os roteiristas Scott Alexander e Larry Karaszewski, cujo único título que possuíam no currículo até então era o infantil O Pestinha (1990), um sucesso de bilheteria – teve duas continuações e gerou até um seriado na televisão – mas pouco oferecia enquanto credibilidade. Baseados no livro Nightmare of Ecstasy (algo como ‘Pesadelo de Ecstasy’), uma biografia do cineasta, os dois formataram um roteiro a ser dirigido por um amigo em comum dos dois, Michael Lehmann – que havia recém saído do terrível fracasso de Hudsow Hawk: O Falcão Está à Solta (1991).

Como ninguém apostaria num longa envolvendo estes três nomes, a solução foi uma troca – e o único daqueles que conseguiram contatar que demonstrou um maior interesse foi... Tim Burton! Com isso, ele abriu mão do seu projeto seguinte – a comédia Os Cabeça-de-Vento (1994), que acabou sendo dirigida por Lehmann – e abraçou sem reservas a história daquele que havia sido imortalizado como ‘o pior cineasta de todos os tempos’! E contando com colaboradores habituais como Johnny Depp, no papel do protagonista, Lisa Marie (sua namorada na época), como a mítica Vampira, Jeffrey Jones (Os Fantasmas se Divertem, 1988), o diretor de fotografia Stefan Czapsky (Batman: O Retorno, 1992) e a figurinista Colleen Atwood (Edward Mãos de Tesoura, 1990), fez-se então o filme mais premiado de toda a carreira do cineasta até hoje!

Ed Wood estava longe de ser um homem igual aos outros. Seus filmes eram feitos de qualquer jeito, ele próprio escrevia os roteiros misturando todo e qualquer tipo de referência, os amigos eram os intérpretes e tudo exalava entusiasmo e amadorismo. O seu golpe de sorte veio quando, ao caminhar pela rua, se deparou com um dos maiores astros da era do cinema mudo: Bela Lugosi, a mais famosa personificação do eterno Drácula (1931). Já nos seus últimos anos de vida, o ator era apenas uma caricatura do que havia sido décadas atrás. Mas isso não impediu que o cineasta – e fã confesso – o convocasse para estrelar suas próximas obras. É na relação dos dois – Ed Wood e Bela Lugosi – em que se sustenta boa parte de Ed Wood, e essa é uma sábia decisão. Afinal, se o cinebiografado é Wood, ele nada teria alcançado sem essa parceria inicial com Lugosi.

O primeiro filme de Wood foi o drama transexual Glen ou Glenda? (1953), uma oferta que descobriu através de um anúncio de jornal e que trouxe à tona uma outra particularidade do artista – ele próprio era, ocasionalmente, um travesti. Não que fosse homossexual – tinha predileção assumida por mulheres e foi casado até os últimos dias de sua vida – mas sentia um prazer enorme, desde criança, de se vestir com roupas femininas – principalmente suéteres angorá. A vida, mais uma vez, imitava a obra, e vice-versa. Lugosi, o mítico Criswell (Jones), o afeminado Bunny Breckinridge (Bill Murray), o lutador de luta livre Tor Johnson (George ‘The Animal’ Steele), Vampira e outros tipos característicos eram presenças frequentes neste e nos demais filmes do diretor, dando origem a uma mítica que hoje é saudada com louvor pelos apreciadores de um cinema trash, daquela corrente que “de tão ruim fica bom”.

Bela Lugosi, que foi viciado em drogas durante as duas últimas décadas de vida, morreu inesperadamente aos 73 anos. Wood, no entanto, possuía algumas cenas e passagens aleatórias que havia registrado em película com o astro. O que fez? As aproveitou, postumamente, em seu longa seguinte, fazendo uso de um dublê sempre com o rosto coberto para as conexões do personagem proposto. Ed imaginava prestar a última homenagem ao ídolo, mas o resultado é Plano 9 do Espaço Sideral (1959), apontado por muitos como o ‘Pior Filme de Todos os Tempos’. E se as confusões de bastidores sobre sua realização já são interessantes o suficiente, vê-las interpretadas com tanta paixão e afinco é realmente comovente. Uma dedicação que somente alguém com a filmografia que Tim Burton possui poderia entregar.

Martin Landau, que dá vida à Bela Lugosi em Ed Wood, ganhou merecidamente o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, e por pouco não roubou o filme para si. Por mais que Johnny Depp esteja perfeito como o protagonista, cada aparição do veterano ator é tão magnética e hipnotizante que a impressão que se tem é a de uma incorporação mediúnica. Os trejeitos, o sotaque, o modo de falar, a maquiagem – também vencedora do Oscar – e a postura decadente, porém austera, complementam um quadro arrepiante. Aliás, foi justamente por ninguém imaginar como Bela Lugosi era ao vivo e em cores – todos os seus filmes foram feitos em preto & branco – que optou-se por esse mesmo visual monocromático para sua realização. Uma decisão acertada, que respeita ainda mais as origens desse belo retrato.

Tim Burton faz de Ed Wood um espelho daquilo que poderia ter sido caso a imaginação descontrolada não andasse lado a lado com um talento único – algo que, infelizmente, faltava à Wood. A relação do cineasta homenageado com seu ídolo refletia muito também a mesma sintonia que o próprio Burton experimentou com outro ícone de outrora, Vincent Price (visto no curta Vincent, 1982, e também no citado Edward Mãos de Tesoura, 1990). Funcionando, portanto, como um alerta e um alívio, temos uma obra maiúscula e madura, mostrando que, por mais que os passos de Ed Wood tenham lhe inspirado sob um aspecto ou outro, nunca os dois estiveram mais distantes um do outro.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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