Sinopse
Asoja é a mulher-deusa-pássaro que transmuta seu espírito. Ela era um tigre, ela era uma planta, ela era uma onça e hoje ela é uma menina, que deve curar sua dor.
Crítica
Quem é Eami? Ou melhor seria... o que é Eami? Tudo e todos, a ausência e a presença. Esse espírito ao qual o longa de Paz Encina se dedica tem como objetivo a subjetificação, um entendimento subliminar, não racional, do qual não se explica nem ordena, apenas se sente e apreende pela percepção, pelas entrelinhas, pelo abrir dos sentimentos. Eami, o filme, é tanto um grito de protesto como um pedido de socorro, um alerta pelo fim na natureza e um aviso pela revolta daqueles que há muito estão silenciados, esperando apenas o momento certo de se fazerem ouvir. Quando pouco, ou mesmo nada, é dito, essa ausência pode ser ensurdecedora. Porém, não será com um barulho alto demais, discursos impositivos ou debates acalorados que a diferença, enfim, se fará presente. Somente com a calma e a paciência daqueles que possuem o tempo ao seu lado que a mudança, enfim, ocupará o espaço que lhe é devido. Em cena, seja por uma narrativa cadenciada, ou pelo uso de imagens que vão do onírico ao estarrecedor, o conjunto se mostra ainda mais poderoso do que suas partes em separado.
Ao introduzir o longa, exibido em pré-estreia durante a 16ª CineBH – Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte, a apresentadora evitou mencionar a sinopse da produção, alegando que “essa mesma já partiria de uma leitura particular, e por isso mesmo, limitadora”. Eami, como se percebe, não se coloca pronto e fechado diante da audiência. É uma área de troca e aprendizado em constante mutação: o processo só se dá por completo através da soma das experiências percebidas tanto à frente como atrás da tela. Eis, portanto, um trabalho aberto ao diálogo, que parte de uma proposta de discussão, mas que permite também uma identidade única frente a cada um dos receptores. É tanto entrega como demanda, exige na mesma medida em que retribui. Os elementos estão espalhados, vide a força que as palavras adquirem, mas também aliadas a uma construção de cena igualmente poderosa, forte no enfrentamento e no debate ao qual se propõe.
A poesia se esparrama do início ao fim. Frases tão belas quanto enigmáticas podem ser pinçadas a qualquer momento, como se o relato ao qual o público é abastecido fosse provocado em dois níveis de interpretação: o mais óbvio, sobre o ataque aos povos originários e o eterno embate com os homens brancos invasores, mas também possibilitando um contato profundo, que vai além das reações imediatas e se coloca em sintonia com tempo e espaço, com o antes e o depois, como se o momento fosse não mais do que isso, um instante passageiro que logo se perde na poeira do tempo. “Pare de brincar com o vento, menina”, alerta a voz madura que não percebe que aquela atividade aparentemente tão tola e inocente é apenas o prenúncio de algo maior prestes a acontecer. A revolta está se formando, e assim como o vento alivia, mas também destrói, o levante se dará, primeiro julgando-se frívolo, até mesmo inconsequente, para logo em seguida provar seu valor muito adiante do que fora ambicionado no início.
“A tartaruga se escondeu no seu casco quando tudo pegou fogo”, reflete a menina, a mesma Eami que viu o que tinha se perder, e nem por isso deixa de imaginar que um dia voltará a se erguer. Os animais, comentados pela palavra, são escassos enquanto presença. Se faz necessário deles recordar, pois fazem parte do todo. No entanto, foram os primeiros a partir, e serão os últimos a retornar. O tom quase infantil do discurso permite falsas impressões, mas essas encontrarão sua valia não muito adiante. Enquanto isso, a patroa enclausurada dentro da própria casa, nem mesmo o descascar da fruta consegue fazer em paz, pois sabe o que infringiu e quão desmedida foi sua ousadia. Por isso está insegura, teme a consequência dos seus atos e sabe que a conta um dia terá que ser paga. A voz proclama, mas é o cenário que avalia e promulga o resultado.
Também roteirista e produtora, Paz Encina mergulha no coração do seu Paraguai natal para fazer de Eami uma ode ao que muito se foi, mas também suspiro de anseio por aquilo que se espera ter de volta. Como curiosidade, se faz importante ressaltar que, ao seu lado, entre tantos talentos agrupados, está o da montadora brasileira Jordana Berg, reconhecida pela longeva parceria com o saudoso documentarista Eduardo Coutinho. Mesmo com esse histórico, é pela composição por ela elaborada que faz desse esforço algo bastante próprio, de difícil definição, e também por isso distante de conclusões fechadas e sufocantes. “Foi ela que me chamou de Eami, que para nós é tanto floresta quanto mundo. E há ambos em todos nós”, afirma a narradora com convicção. Há muito que tantos se esqueceram dessa combinação, e aqui se faz uma propícia lembrança, que aponta e acalenta, instiga e acorda.
Filme visto durante a 16ª CineBH, em setembro de 2022, em Belo Horizonte
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Robledo Milani | 8 |
Alysson Oliveira | 8 |
MÉDIA | 4 |
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