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Sinopse

Michael Bryce está traumatizado por ter perdido a licença de guarda-costas, e se afastou da profissão. No entanto, ele é obrigado a trabalhar para Sonia Kincaid, uma das maiores trapaceiras do mundo, e nova esposa do amigo e atirador Darius Kincaid. Juntos, os três devem impedir os planos de um magnata do crime.

Crítica

Dupla Explosiva 2: E a Primeira-Dama do Crime (2021) oferece os prazeres simples do cinema comercial, que devem fazer falta a muitos cinéfilos depois do período prolongado de isolamento. Conforme atesta o título brasileiro, há explosões para todos os gostos; perseguições de carros velozes em ruas de cidades paradisíacas; barulhos de tiros, de pneus acelerando e de objetos quebrando; trilha sonora pop e engraçada. Esta é a forma de cinema que faz “bum!”, onde tudo se move, corre, pula, mergulha, voa, atira, de maneira alegremente inconsequente – os heróis recebem inúmeras rajadas de tiros, e saem com leves machucados na bochecha. A experiência oferecida pelo diretor Patrick Hughes lembra as brincadeiras de infância (normalmente atribuídas aos meninos, porém não exclusivas) onde os pequenos pegam seus carrinhos, bonecos e imaginam tramas envolvendo tiros de bazuca, corridas e resgates perigosos. Poucos elementos fazem sentido nas fabulações infantis, mas quem se importa? Isso faz parte de um imaginário de potência e de aventuras. O filme se assemelha a esta diversão hiperativa transformada em realidade através de um orçamento de US$ 60 milhões e um elenco disposto a brincar com as regras do gênero.

O melhor aspecto se encontra no fato de não se levar a sério em momento algum, pelo contrário. O guarda-costas, figura geralmente destemida e corajosa, é interpretado com prudência exagerada por Ryan Reynolds, reprisando o papel de nerd da profissão, insistindo em usar o cinto de segurança durante uma fuga. A esposa do atirador, ao invés de representar uma figura indefesa precisando de ajuda, saca a metralhadora e corta gargantas com prazer. Salma Hayek reforça o sotaque mexicano, empina o peito e investe na caricatura da latina sexy. Antonio Banderas encarna um milionário grego com a pronúncia espanhola de sempre, afinal, corresponde ao imaginário vasto do homem mediterrâneo. O filme demonstra maior preocupação em explorar clichês, seja para reforçá-los ou subvertê-los discretamente, do que em fornecer caminhos novos. Por isso, vilões têm cara perversa e planos de destruir o mundo, enquanto os mocinhos correm entre diversos continentes para combatê-los. Agências como CIA e FBI possuem pouco espaço, pois o humor funciona melhor dentro de uma estrutura desorganizada. Os atores interpretam seus papéis com comprometimento único à comédia, em detrimento do drama, ação e espionagem. Eles possuem ciência de que a narrativa em moldes 007 constitui mera desculpa para a correria frenética.

Assim, o projeto se esforça mais para funcionar como comédia do que ação, algo atestado pelas piadas insistentes do roteiro. Para fazer rir, Dupla Explosiva 2 aposta no “humor de texto”, ou seja, nos diálogos improváveis ou provocadores. Cabe aos atores, acostumados ao gênero, extrair o melhor ritmo das falas, ao passo que o diretor se limita a filmá-los de maneira protocolar. Quando tenta oferecer uma (raríssima) piada derivada da linguagem cinematográfica (vide o salto temporal revelando a batida do carro pelo guarda-costas dormindo), o resultado funciona mal. Os produtores privilegiam então a sucessão veloz de gags sexuais e escatológicas, aproveitando a classificação etária elevada. “Minha buceta é apertada demais”, “Como você pôde ficar com o pinto frio na noite de núpcias?” e “Isso não é lua de mel, mas lua de merda” ilustram o tipo de piada que domina as interações. Ainda há trocadilhos com “cu”, com o verbo “penetrar”, com o tamanho dos seios de Salma Hayek e os testículos de Samuel L. Jackson. A infantilização mencionada no início se reforça através deste humor malicioso e pré-adolescente, que considera hilário falar “shit” e “pussy”.

A organização do mundo retrocede à compreensão juvenil tanto nos corpos quanto no imaginário do crime. O sexo jamais parece real, os tiros e explosões surgem de lugar nenhum, a tecnologia se resume a softwares com contagem regressiva de uma bomba prestes a explodir. A menção à crise financeira na Grécia acena a problemas reais da União Europeia, porém a narrativa logo dinamita qualquer ponte com a realidade. A limitação dos efeitos especiais, pouco apurados nas filmagens em estúdio e nas projeções em tela verde, retira o espectador da história – ou talvez apenas aprofunde o caráter de farsa. No clímax, Hughes aposta em três cenas de luta paralelas e simultâneas: Michael Bryce (Ryan Reynolds) contra um guarda-costas supostamente melhor do que ele; Sonia Kincaid (Salma Hayek) contra uma mulher mais escolada no combate; e Darius Kincaid (Samuel L. Jackson) contra um homem mais poderoso. Neste segmento, o mais ambicioso, Hughes transparece a dificuldade de filmar cenas de ação de modo coerente. A direção de fotografia chacoalha a câmera a esmo, impossibilitando a compreensão da coreografia e prejudicando a montagem, perdida entre os três núcleos.

Mesmo a comédia aposta em alvos contestáveis para o século XXI: piadas de morte por esmagamento de um homem gordo, latinas hipersexualizadas de senso materno apurado, homens efeminados com gosto pela moda, russos perversos e pouco confiáveis. Estes elementos se combinam com uma quantidade expressiva de reviravoltas, umas menos verossímeis do que as outras – vide as cenas do lítio, da amnésia, da descoberta de um companheiro trabalhando para o lado oposto, da pretensa morte de um personagem. O cineasta estima que o simples fato de mencionar pênis e vaginas, junto às cabeças explodindo, bastem para a diversão, independentemente de se justificarem dentro da história. Fica a impressão incômoda de que os bons atores já efetuaram este tipo de comédia diversas vezes antes, e com melhor resultado: Ryan Reynolds pode ser ainda mais sarcástico (a exemplo de As Vozes, 2014, e Deadpool, 2016), Samuel L. Jackson conseguiria elevar o jogo com a persona malandra, falando “motherfucker” a cada cinco segundos, e Salma Hayek efetuou variações mais criativas da mexicana sensual. Dupla Explosiva 2 tem pouco a oferecer ao elenco e ao público. Ele deve despertar alguns sorrisos em sequências pontuais, mas ao final da sessão, é improvável que fique na cabeça do espectador durante muito tempo.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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