Crítica

Em seu segundo longa ficcional, o argentino Juan Dickinson opta pelo caminho seguro, e previsível, da solenidade para narrar um drama de época que tem a Segunda Guerra Mundial, e seus ecos nos países sul-americanos, como pano de fundo. Na trama de Dolores, encontramos a personagem-título (Emilia Attías) retornando da Escócia para a Argentina após receber a notícia da morte de sua irmã. Chegando à fazenda da família, ela reencontra o cunhado, Jack (Guillermo Pfening), por quem era apaixonada na adolescência, e que passa por um turbulento período emocional e financeiro. Auxiliando na administração dos negócios e na criação do sobrinho de oito anos, Harry, Dolores se aproxima de Jack, reacendendo a atração entre os dois, ao mesmo tempo em que se envolve com Octavio (Roberto Birindelli), um fazendeiro vizinho, descendente de alemães.

Dickinson apresenta a história em um flashback, iniciando o filme com outro retorno ao lar, o de Harry já adulto, que folheia um antigo álbum de recordações, trazendo à tona as memórias de sua infância e, particularmente, da tia, cuja chegada causa uma reviravolta na atmosfera de luto que envolvia a todos. De imediato, Dolores assume a posição de comando da casa, uma postura que gera atritos com Florrie (Mara Bestelli), irmã de Jack, que reprova o envolvimento afetivo deste com a protagonista, além de insistir na venda da propriedade como solução para quitar as dívidas. Com a mistura dessas intrigas familiares, e do contexto histórico, ao triângulo amoroso, temos a fórmula dos melodramas clássicos de Hollywood, nos quais Dickinson busca se inspirar. Contudo, tal inspiração fica limitada à premissa e ao classicismo do registro imposto pelo diretor.

Concentrando a ação de forma quase exclusiva em um único ambiente – a fazenda, que surge numa foto em preto e branco emoldurada já na imagem que abre o longa – Dickinson explora o espaço de modo visualmente agradável, com planos elegantes que valorizam a direção de arte e a reconstituição de época. Porém, mesmo sendo tecnicamente eficiente, esse formalismo não confere uma real identidade à obra, já que o elemento estético não é complementado por um desenvolvimento dramático consistente. Pois, assim como Jack, que, ironicamente, parte para o front de batalha para fugir do tumulto emocional causado pela relação com Dolores, o cineasta evita quase todos os conflitos sugeridos ao longo da projeção, nunca conferindo o aprofundamento necessário para garantir a imersão nos mesmos.

Esse tratamento resulta num distanciamento, que Dickinson tenta compensar através do uso ostensivo da trilha sonora de Leo Gandelman. Um artifício insuficiente para dar corpo aos dramas da protagonista, já que nunca sentimos completamente o peso da divisão entre os dois amores, ou compreendemos o que a atrai em Octavio, por exemplo. O fato de praticamente isolar os personagens na fazenda também contribui para uma construção menos densa, já que a influência dos fatores externos acaba sendo restrita. Dolores vai ao banco renegociar a dívida, Jack frequenta o clube onde afoga as mágoas no uísque, e ambos vão a um baile, mas o mundo que os cerca não parece afetá-los. Há apenas um momento em que o meio interfere na ação, quando os personagens vão ao cinema e propagandas nazistas são exibidas antes do filme, levando diversos espectadores a saudar Hitler, inclusive Octavio.

O acontecimento causa a ira de Jack, que agride o vizinho, numa alusão ao conflito entre alemães e britânicos, que nunca mais é explorada pelo filme. Não apenas Dolores se isenta de questionar o ato de Octavio, mostrando não se importar com o fato de ele ser simpatizante ao nazismo, como o próprio também não parece realmente envolvido com a causa. O modo como a sequência é inserida, começando e terminando abruptamente, também faz com que pareça deslocada, assim como várias outras passagens. O roteiro novelesco, carregado de diálogos que soam pouco naturais, reforça a sensação de artificialidade e prejudica o trabalho do competente elenco, especialmente o da bela Emilia Attías na pele da personagem principal.

Dona de uma imponente presença na tela, a atriz se mostra capaz de convencer como uma figura que sobressai e atrai todos os olhares masculinos por onde passa. Além de seu efeito sobre o sexo oposto, também tem destaque a influência que exerce sobre o sobrinho – despertando e incentivando seu interesse pela fotografia. Há, portanto, material para sua construção como uma mulher forte, independente e que desafia os paradigmas de seu tempo, no entanto, Dickinson não dá foco a estas características como poderia. Dessa forma, o cineasta perde a oportunidade de fazer de Dolores uma protagonista muito mais marcante, conduzindo-a ao que deveria ser o vigoroso e derradeiro conflito da escolha entre os homens que ama, mas que, novamente, é tratado de modo evasivo. Com um salto temporal, regressando à cena inicial de Harry adulto, Dickinson oculta os meandros dramáticos da escolha de Dolores, apresentando um desfecho que poderia até ser corajoso por fugir do lugar-comum, mas que, devido à frágil construção vista até então, não parece convincente. Como num tango dançado sem a paixão e a intensidade necessárias, Dolores termina não se entregando plenamente aos arquétipos dos melodramas que visa emular.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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