Do Outro Lado do Atlântico
Crítica
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Sinopse
As diversas percepções sobre identidades e culturas de estudantes africanos de países de língua portuguesa que estudam ou estudaram em universidades brasileiras. Dos dois lados do Atlântico, histórias de partidas, permanências e regressos são contadas, encontros e desencontros de ideias, percursos, desejos e sonhos.
Crítica
O Brasil tem uma forte ligação com a África, já que aqui foi o território em que houve o maior aporte de escravos oriundos de lá, número próximo a quatro milhões em pouco mais de 300 anos. O resultado é uma identificação cultural inequívoca e enraizada. Do Outro Lado do Atlântico promove uma dupla aproximação identitária ao apresentar a história de jovens africanos, saídos de países de língua portuguesa, que vieram estudar em universidades brasileiras. Aliás, são esses personagens o maior bem da realização dos diretores Daniele Ellery e Márcio Câmara, bem como suas trajetórias marcadas em comum pela difícil decisão de deixar familiares, amigos, amores e outras coisa para trás, a fim de perseguir o sonho de uma vida melhor. Os depoimentos que se sucedem inicialmente dão conta de mostrar como é a saída do país natal e a adaptação ao Brasil, onde muitas vezes são vistos com desconfiança, fato contrastante com a imagem prévia (e falsa) de um país livre de preconceitos, pois miscigenado.
O cenário basilar da primeira metade de Do Outro Lado do Atlântico é a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, instituição sediada em Redenção, no Ceará, cidade simbólica por ter sido a primeira a liberar todos os seus escravos. As falas sucessivas dos alunos cabo-verdianos, angolanos, timores, entre outros, expõem não apenas a felicidade dominante por estar num país estrangeiro, aprendendo e, por conseguinte, aspirando a avanços, mas também episódios de descriminação sofridos, dos mais ao menos ostensivos. Contudo, esse tom crítico, mesmo surgido constantemente, não predomina, uma vez que a intenção evidente dos criadores não é discutir a questão racial por um viés sociológico, mas descortinar os efeitos desse intercâmbio linguístico-cultural. Mas, para além da estrutura ou até da linha escolhida, o que verdadeiramente importa são as pessoas, a empatia imediata que criamos com os estudantes em meio às exposições de suas vidas.
Testemunhamos, principalmente, os aspectos que tangem à aclimatação dos alunos à nova realidade no Brasil, ao desafio imposto pela distância de casa, algo amenizado pelas comunidades formadas prontamente, repletas de alegria e ritmo. Tais atributos não demoram a contagiar os colegas brasileiros, o que facilita o estabelecimento de relações imprescindíveis a ambos os povos. Na medida em que se esgotam os recursos advindos desse direcionamento inicial, focado essencialmente na constatação do cotidiano da juventude africana migrante, Daniele Ellery e Márcio Câmara procuram criar novos veios narrativos, extraindo das entrelinhas algumas complexidades intrínsecas ao processo retratado. Cada vez mais são inseridos diferentes dados e personagens, como, por exemplo, pessoas mais velhas que fizeram o mesmo caminho outrora, ou seja, da África ao Brasil em busca de informação e conhecimento, mas que acabaram voltando aos seus países de origem, não permanecendo por opção.
Do Outro Lado do Atlântico se vale, também, da história de gente que prontamente se estabeleceu por aqui, criando sólidos laços, como casamentos e amizades. Embora não exiba uma linguagem acurada, porque basicamente centrada no carisma dos personagens, sem aspirações a mergulhos mais profundos, o documentário dos diretores Daniele Ellery e Márcio Câmara é uma aberta celebração à coragem desses viajantes. É um filme no qual os desejos alheios encontram ressonâncias no espectador, por conta de sua universalidade. O que os difere de muitos é o percurso, visto como pedregoso por uns, porém recompensador no fim das contas, mas cujo norte aponta à educação como pedra fundamental, tanto do pleno desenvolvimento das nações irmãs, ao qual o Brasil pode se apresentar como agregador, quanto das ligações possíveis entre elas, não mais pela via da barbárie, como num passado nem tão remoto (e ainda influente), mas agora por meio da verdadeira interconexão social e cultural.
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