Disforia

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Sinopse

Dário é um psicólogo que volta a atender crianças depois de um trauma pessoal. Sua primeira paciente é Sofia, uma menina de 9 anos que provoca sensações angustiantes nas pessoas que a cercam. Um turbilhão se reinicia na vida de Dário, trazendo culpas e fantasmas que ele pensava estarem enterrados.

Crítica

O protagonista de Disforia é Dario (Rafael Sieg), psicólogo infantil que volta à ativa após um trauma considerável, evento responsável por confinar sua mulher, Silvia (Juliana Wolkmer), num estado praticamente catatônico. Esse sujeito, aos poucos regressando à rotina, é chamado para atender a enigmática Sofia (Isabella Lima). O primeiro contato com a paciente é permeado por desconfortos, numa desorientação muito bem articulada pelo cineasta Lucas Cassales. A ambientação oscila entre o suspense psicológico e o horror. A indeterminação do terreno em que o personagem principal e, por conseguinte, o espectador está pisando é uma dos principais forças desse instante de aclimatação com os mistérios que circundam todos em cena. O pai da garota, Paolo (Vinícius Ferreira), é um homem que impõe sua presença com estranhamento, como se escondesse algo ou não quisesse partilhar a verdade. É instigante esse processo inicial de conhecimento.

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Disforia se ancora na instabilidade, em Dario confrontado pelo desconhecido. Há um espelhamento entre ele e Paolo, vide o fato de ambos terem uma nódoa passada com a qual lidar, provavelmente, relacionada à paternidade e às possíveis consequências dos infortúnios de suas respectivas esposas. O realizador lida bem com essa correlação, não a tornando demasiadamente óbvia, mas mantendo-a constantemente operante sob as aparências. Frequentemente, imagens do passado entrecortam a narrativa, mostrando a interação do viúvo, bem mais solar do que no presente, com a esposa vivaz que parece extremamente feliz na fase da gestação. Todavia, o filme demora a desapegar-se dessa vontade de apenas criar perguntas, partindo de detalhes disponibilizados a conta-gotas, preso a uma necessidade de continuar estofando, às vezes desnecessariamente, esse manancial de interrogações avolumadas. Nesse percurso é possível duvidar se o que acontece é factual.

Lucas Cassales, aferrado à artesania da criação de espaços imprecisos, de definição escorregadia, perde oportunidades para adensar as relações entre os personagens que, assim, tem esvaídas gradativamente as suas forças. Sofia, por exemplo, é esquadrinhada de modo óbvio como excepcional dentro desse contexto, inclusive pela forma como perturba Dario. Este, por sua vez, fica restrito a um mergulho involuntário na insensatez que a presença insólita e insondável lhe causa. Paolo, outro vetor importante dessa dinâmica, permanece, sem derivações, no registro enrijecido que igualmente lhe caracteriza peremptoriamente. A segunda metade de Disforia carece de componentes que a oxigenem, pois, uma vez colocados todos esses aspectos relativos aos mistérios circundantes, a trama parece desenvolver-se em círculos viciosos, com episódios beirando o banal, como a festa em que uma pessoa se defronta com situações que podem ser compreendidas como imaginadas.

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Disforia deixa de causar inquietação, como no princípio faz muito bem, na medida em que perde o viço do que há no horizonte. Rafael Sieg constrói um personagem atravessado por dinâmicas que tangem ao estado psicológico pós-trauma e aos efeitos incompreensíveis da presença de Sofia. As demais figuras em cena cumprem, de modo crescente, funções esporádicas nesse percurso cada vez mais individual, o que acaba extraindo peso dramático do conjunto. A menção no plural de certo substantivo é a chave principal para o entendimento do que está para além da bruma de incertezas fomentada sem variações a partir de determinado ponto do enredo. A maneira como tomamos contato com a verdade se assemelha bastante àqueles monólogos em que o vilão dos filmes de super-herói desvela seus estratagemas para facilitar a compreensão do público. Portanto, o fechamento possui natureza expositiva, logo, inversamente proporcional às sutilezas do começo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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