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Sinopse

Tess Trueheart apenas deseja ter uma boa vida ao lado de seu namorado, Dick Tracy. No entanto, o gângster Big Boy Caprice decide que vai comandar todos os bandidos da cidade. E para complicar a situação, o insubordinado Dick Tracy ainda será alvo do charme da bela Breathless Mahoney, uma sedutora cantora de boate.

Crítica

Após provar que era mais do que apenas um rosto bonito com o oscarizado Reds (1981), o irmão mais novo de Shirley MacLaine passou seis anos sem filmar, apenas para retornar com a comédia Ishtar (1987), uma das maiores bombas da década, que quase pôs fim à sua carreira. Para dar novamente a volta por cima, o já cinquentenário astro precisou ter muito cuidado em sua próxima escolha. Porém, ao invés de trilhar um caminho seguro, Warren Beatty apostou primeiro na inovação e investiu na realização de um sonho: a versão carne-e-osso das histórias em quadrinhos de Chester Gould, Dick Tracy. O filme ‘sério’ seria realizado somente no ano seguinte – Bugsy (1991), indicado a 10 Oscars – mas antes o astro optou por dar um passo calculado, brincando com efeitos especiais, reunindo as maiores estrelas possíveis e realizando uma aventura como poucas vistas antes. O sucesso de público e de crítica só comprovou o quão certo ele estava.

Popular desde os anos 1930, o detetive de capa amarela nunca havia recebido uma adaptação cinematográfica à altura do fenômeno que tantos conheciam e adoravam. Mas isso não significa que não houveram tentativas anteriores. Ainda no formato de seriado, Dick Tracy: O Detetive era exibido nas salas de cinema desde 1937, e muitas outras versões do personagem foram levadas às telas – e também na televisão – com o passar dos anos. Mas ainda faltava uma produção de respeito. No entanto, o próprio gênero não era visto com bons olhos até a década de 1980, mais como um investimento de gênero do que algo que visasse um público maior. Foi somente com o sucesso de Superman: O Filme (1978) e, principalmente, de Batman (1989), que as coisas começaram, finalmente, a mudar. Porém, se estes foram longas pontuais e tinham uma fonte em comum, foi Dick Tracy que ofereceu uma necessária diversidade, tanto qualitativa quanto de inspirações para novos projetos.

A trama é muito simples – tal como deveriam ser as tiras de jornais que o tornaram conhecido internacionalmente. Dick Tracy (Beatty) é um policial dividido entre o avanço de sua carreira e um provável trabalho mais burocrático de escritório atrás de uma escrivaninha – tudo que a namorada Tess Truehart (Glenne Headly) deseja – e o chamado das ruas, onde está a ação de verdade. Dois fatos, no entanto, abalam sua rotina: primeiro é o encontro com Kid (Charlie Korsmo), um garoto de rua que logo vira seu protegido; depois, é a onda de crimes provocada por Big Boy Caprice (Al Pacino), que não só está eliminando sua concorrência como também tomando conta de todos os negócios até então honestos da cidade. Para impedir esse caos social, o detetiva terá que lidar com o desejo que sente pela namorada do bandido, a cantora Breathless Mahoney (Madonna) e enfrentar a ameaça de um misterioso bandido sem rosto, que ora o ajuda, ora o coloca em um perigo ainda maior.

Para alcançar o que buscava e provocar o efeito desejado, Warren Beatty se cercou dos melhores do ramo. O elenco que conseguiu reunir é simplesmente de derrubar o queixo de qualquer um, o que mostra bem o poder que usufruía em Hollywood. É difícil apontar quem está melhor, se o protagonista – que tem o tipo físico perfeito e se sai bem até nas cenas de ação – ou astros do calibre de Al Pacino – merecidamente indicado ao Oscar por este desempenho – e Dustin Hoffman, ambos em papéis secundários. Chamam atenção também, oferecendo um brilho à parte, as participações especiais de nomes como James Caan, Kathy Bates, Dick Van Dyke e Estelle Parsons. E como esquecer da presença fulgurante de Madonna, como uma femme fatale legítima? Nem o diretor conseguiu resistir a ela – ambos namoraram durante as filmagens – e obteve da cantora uma das suas melhores performances como intérprete – o fato da personagem ser escandalosamente sexy, dona das melhores frases de efeito do filme e passar metade do tempo cantando é mera coincidência (!).

Mas Dick Tracy é mais, e um dos pontos de maior destaque é o incrível visual, que literalmente dá vida às tramas dos gibis. A fotografia de Vittorio Storaro – indicado por este trabalho e vencedor de três Oscars, entre eles pelo arrebatador Apocalypse Now (1979) – é absurdamente criativa, exaltando cores primárias – vermelho, amarelo, azul, roxo e verde – e reproduzindo com fidelidade o universo que os fãs só conheciam das páginas dos gibis. O criativo e detalhado figurino de Milena Canonero (também vencedora de 3 Oscars, o último por Maria Antonieta, 2006) complementa essa opção estética, que aproximou o espectador leigo de um universo inédito nas telas, oferecendo os elementos necessários para que essa sintonia se desse com precisão. Warren Beatty mostra que seu talento como realizador está mais em saber se aliar às pessoas certas do que em lidar com um ego descontrolado – o que, vindo de alguém nascido em berço de ouro como ele, bem poderia ter sido o caso.

Como feliz resultado de toda essa combinação, Dick Tracy arrecadou mais de US$ 100 milhões somente nas bilheterias norte-americanas e recebeu um total de sete indicações ao Oscar, vencendo em três categorias: Direção de Arte, Maquiagem – impressionante! – e Canção Original, para a bela “Sooner or Later (I Always Get My Man)”, de Stephen Sondheim e imortalizada na voz de Madonna. Além disso, chegou a concorrer ao Globo de Ouro como Melhor Filme em Comédia ou Musical. Divertido, animado, dinâmico, ousado, colorido e feito com muito cuidado, este é provavelmente um dos filmes mais populares de toda a carreira de Beatty, a prova de que Madonna poderia ser, se escolhesse os papéis certos, uma estrela também de cinema, e um delicioso tour de force de Pacino, que pintou e bordou com um personagem caricaturesco ao extremo, mas que feito com competência por pouco não roubou o longa para si. Uma obra que mesmo duas décadas após o seu lançamento ainda confirma seu valor como uma das melhores adaptações de histórias em quadrinhos de todos os tempos.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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