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Sinopse

Jahkor nunca teve vida fácil. Desde a infância, era cobrado pelo pai. Já adulto, realiza pequenos assaltos e evita a possibilidade de trabalhar no tráfico de drogas. Seu sonho é ser um rapper de sucesso e, para tanto, produz e canta suas próprias músicas. Ao saber que será pai, decide arranjar um emprego, mas o preconceito e o baixo salário fazem com que seja tentado a retornar ao mundo do crime. Especialmente quando um chefão local quer que ele mate seu principal concorrente.

Crítica

É interessante observar a capciosa dualidade por trás do título nacional de Dias Sem Fim, bem melhor que o original "All Day and a Night". Além de uma referência ao período do protagonista Jahkor na prisão, condenado à prisão perpétua, há implicitamente a referência ao status quo vivido pelo personagem, seu pai e muitos de seu meio social, sem muitas perspectivas devido à ausência do poder público e o preconceito intrínseco da sociedade. No fim das contas, é este o real intuito deste filme dirigido e roteirizado pelo quase estreante Joe Robert Cole. Jahkor é apenas o meio através do qual se chega à questão.

De certa forma, há aqui semelhanças com o bem mais potente Fruitvale Station: A Última Parada (2013), em dois aspectos: pela propriedade com a qual o tema é abordado, graças à essencial familiaridade do diretor ao tema, e a sensação frustrante de inevitabilidade. Percorrendo três momentos da vida de Jahkor, pouco a pouco Cole ressalta o quanto o jovem está preso às convenções de uma sociedade que, no fundo, pouco agiu para equilibrar a balança social (e desigual) entre brancos e negros, nos Estados Unidos. Do pai violento ao rap como alternativa, e meio de dar vazão aos anseios e aflições existentes, o filme entrega uma jornada cíclica de alguém endurecido pela vida que, até tenta, mas não encontra saída.

Para desenvolver tal narrativa, Cole opta pelo mistério em torno do porquê Jahkor matou a sangue frio um homem e sua esposa, diante da filha adolescente. A sequência, presente logo no início, é de uma frieza intencional de forma a transmitir a raiva de seu autor e, de certa forma, "justificar" sua posterior condenação. É, também, um meio de capturar a atenção do espectador com uma cena de ação, truque básico para conquistar o interesse pelo que vem a seguir. No fim das contas, tal mistério não é nem tão relevante assim, e até mesmo óbvio. Trata-se de mera desculpa para que se possa investigar o passado deste jovem, de forma a ressaltar (e criticar, implicitamente) este contexto ao qual está inserido.

Por mais que seja consistente em sua jornada, Dias Sem Fim sofre pela ausência de contundência por parte de seu criador, o que deixa sempre o plano sócio-político nas entrelinhas. Ainda assim, há momentos em que Cole demonstra ares de autor, ao menos em relação à forma como constrói esta história. Um exemplo é o belo plano-sequência realizado em plena festa nas ruas, percorrendo diversos personagens e veículos em movimento. A própria construção do personagem de Jeffrey Wright, o pai de Jahkor, é bem interessante, mais pontuado pela ausência do que propriamente pela violência, também presente. Mesmo o retorno de Wright, anos mais tarde, demonstra uma certa habilidade no sentido de plantar dúvidas junto ao espectador - mais não deve ser dito, sob o risco de spoilers.

Com um elenco bastante coeso, Dias Sem Fim ainda reafirma o talento de Ashton Sanders, o pequeno Chiron de Moonlight: Sob a Luz do Luar (2016), e também conta com o auxílio luxuoso de Wright, marcante mesmo sem tanta presença assim. No fim das contas, trata-se de um filme que tem bastante a dizer mas prefere que o espectador tire suas conclusões ao invés de ser incisivo, ao estilo Spike Lee ou mesmo Ryan Coogler, em menor dose. Além disto, sofre de um problema que tem acometido vários outros filmes da Netflix: a duração exagerada. Para esta história não eram necessários 121 minutos, a narrativa poderia ser mais enxuta sem grande dificuldade. Mas aí entramos em outra questão, que é o interesse do próprio streaming em ter filmes mais longos para que o usuário permaneça on-line por mais tempo. São estes os tempos modernos, que também influenciam na arte que é fazer cinema.

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Jornalista e crítico de cinema. Fundador e editor-chefe do AdoroCinema por 19 anos, integrante da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e ACCRJ (Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro), autor de textos nos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros", "Documentário Brasileiro - 100 Filmes Essenciais", "Animação Brasileira - 100 Filmes Essenciais" e "Curta Brasileiro - 100 Filmes Essenciais". Situado em Lisboa, é editor em Portugal do Papo de Cinema.
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