Diante dos Meus Olhos

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Sinopse

A banda Os Mamíferos não chegou a gravar discos, mas foi importante para a cena contracultural capixaba dos anos 60/70. Atualmente, o ex-integrantes vivem vidas comuns. Longe dos holofotes, relembram sucessos, fracassos e tentam recuperar uma peça fundamental da música popular brasileira.

Crítica

Diante dos Meus Olhos é um documentário, em stricto sensu, mais sobre a passagem do tempo que efetivamente acerca da banda capixaba Os Mamíferos. O cineasta André Félix não parece interessado em dispor peças para construir a imagem suficientemente clara de um capítulo praticamente esquecido da música popular brasileira. A memória, portanto, aqui não serve tanto para a reconstrução de algo, pois a ela é incumbida a tarefa de promover um diálogo menos óbvio entre passado, presente e futuro. O ontem frustrado ajuda a prefigurar o futuro ordinário e a desenhar um agora sintomático. Diferentemente do que se poderia esperar, Marco Antônio, Afonso e Mario Ruy são esquadrinhados como nativos de uma época finda, filhos de conjunturas bastante particulares. Eles não são articulados na telona apenas como frações para trazer à tona uma história parcialmente obliterada. Há um quê modorrento nesse itinerário formalmente rígido.

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Os três ex-integrantes de Os Mamíferos falam das glórias de antes, mencionam a participação em festivais de peso, como o de Guarapari, que aconteceu em fevereiro de 1971, nesta cidade do Espírito Santo. Prevalece a sensação de que uma trajetória de sucesso e conquistas era bem palpável, algo que acabou, por vários fatores (mencionados timidamente), não se concretizando, a despeito do talento do trio. André Félix choca as músicas resgatadas de apresentações e outras manifestações públicas com as rotinas repetitivas de Marco Antônio, Afonso e Mario Ruy. Uns batem ponto no bar de sempre, embriagando-se de álcool e lembranças. Os demais pouco de notável fazem. Eles tocam a vida como melhor lhes aprouver. Mas Diante dos Meus Olhos, infelizmente, deixa passar potencialidades em branco, tangenciando o enfadonho nessa construção narrativa peculiar. A opção pelas lacunas asfixia.

São vários os momentos em que é possível perder-se. Diante dos Meus Olhos não faz questão de tornar fácil a vida do espectador, no sentido da identificação dos personagens e das circunstâncias aludidas. Em virtude de uma evidente vontade de afastar-se da noção meramente expositiva, o realizador acaba tornando determinados acessos excessivamente nebulosos, apostando alto numa dinâmica pouco instigante. A própria importância de Os Mamíferos nunca se concretiza em cena, evanescendo na medida em que o roteiro pretere dados relevantes em função de uma elucubração mais conceitual. Não se pretendendo a ser saudosista, ou o que o valha, o longa-metragem toma caminhos arriscados. Uma pena que ele passe longe de formular, senão de modo quase abstrato, o questionamento a respeito da mítica criada em torno da banda sem um disco.

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No seu terço final, Diante dos Meus Olhos lança mão de algumas ferramentas para desenhar essa vontade de questionar o que está na nossa frente. Esses homens idosos, aparentemente amargurados em certo grau, mas não absolutamente demarcados por tal compreensão, falam de um cotidiano porra-louca, de canções com letras fortes, isso em meio à Ditadura Civil-militar brasileira. O que o filme tem de melhor é uma soturnidade naturalmente desprendida da fricção entre as possibilidades longínquas e os fatos que lhes desapontaram. Todavia, André Félix permite que o barco descambe numa viagem por águas excessivamente calmas e turvas, num decurso limitado por inconsistências e pela tentativa de privilegiar uma atmosfera não alimentada de forma ordinária. Sabe-se mais de Os Mamíferos lendo a sinopse do que assistindo ao longa. O mesmo pode ser dito dos personagens, coadjuvantes do aspecto formal, da necessidade de lidar com essa escassez de fatos.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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CríticoNota
Marcelo Müller
4
Rodrigo de Oliveira
7
MÉDIA
5.5

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