Crítica


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Sinopse

A gerente de um orfanato em Calcutá, na Índia, luta para manter o estabelecimento funcionando. Desesperada por recursos, acredita ter encontrado uma benfeitora, dona de uma empresa multimilionária. Porém, para receber o investimento, precisa ir até Nova York para conhecê-la.

Crítica

Uma mulher em busca de ajuda. Uma executiva precisando resolver as pendências de uma vida. Um homem que desconhece a dimensão dos próprios pecados. Uma filha ignorante de suas origens. Uma criança abençoada pelo afeto dos outros. Uma noiva em busca de acolhimento. Estes são alguns dos personagens que transcorrem pelos acontecimentos presentes em Depois do Casamento, longa escrito e dirigido por Bart Freundlich a partir do dinamarquês de mesmo nome que chegou a ser indicado ao Oscar como Melhor Filme Estrangeiro em 2007. Apesar dessa origem remeter aos países nórdicos, o que se vê em cena é um drama nos moldes mais tradicionais, geralmente encontrados com maior frequência entre os latinos. Pois o que era austero e calculado antes, agora ganha ares de sofrimento e abdicação. Recursos fáceis que servem para ludibriar o espectador mais desatento, além de fazer dessa uma obra menos singular e mais convencional do que a original.

Isabel (Michelle Williams, esforçada) é a coordenadora de um orfanato na Índia. O clichê começa aqui, pois tudo o que se espera de um lugar como esse é ressaltado desde o seu primeiro vislumbre: espiritualidade e abnegação, além de muito sofrimento. Todos são sorridentes e cumprem suas tarefas com dedicação e responsabilidade, mas há vezes em que isso não é o bastante, como na hora de colocar comida no prato ou melhorar as condições do prédio que abriga tantas crianças. É por isso que, quando uma doadora surge no horizonte da instituição, qualquer coisa parece ser válida para que a proposta se concretize – inclusive uma viagem até Nova Iorque para uma conversa ao vivo com a responsável por tão generosa oferta. É a chave para o encontro da protagonista com Theresa (Julianne Moore, sem muitas oportunidades para ir além do que lhe é oferecido). O que não tardará para que fique claro é que há outras intenções em jogo envolvidas nessa não tão simples transação.

Pois quando a visitante é convidada para comparecer à festa de casamento da filha da mulher que a levou até o outro lado do mundo, alguns acertos de contas se revelarão ainda mais urgentes – envolvendo tanto a noiva como o pai dela, marido da empresária. É um jogo de interesses secretos que está em curso, mas é melhor o espectador mais afoito deixar de lado conclusões novelescas, envolvendo crises de ciúmes e planos de vingança, para se focar em sentimentos mais nobres, digamos – mas não menos óbvios. Há um sofrimento muito grande em todos os envolvidos – a que sente pelos necessitados, a que se pergunta para onde vai depois, o que está em dúvida se o que fez tantos anos antes foi certo ou não, ou mesmo a que precisa decidir o que fazer com a verdade que lhe é posta no colo. O que é certo é que as vidas de todos irão mudar para sempre, e de forma decisiva. Se para melhor ou pior, bom, essa é uma questão que compete mais aos personagens do que à própria audiência, ocupado em seguir os previsíveis desdobramentos de um melodrama nem um pouco preocupado em desviar das diretrizes mais desgastadas do gênero.

A questão, no entanto, pode ser melhor observada a partir de um ponto de vista mais distanciado e menos envolvido. Visto de uma distância segura, o que se verifica não são mais do que white people problems – ou, melhor dizendo, rich people problems. Ou seja, problemas de pessoas muito, mas muito ricas. Se fossem retirados da equação a absurda quantia de dinheiro de uns, e a total necessidade de recursos de outros, muito pouco sobraria para a história que se diz querer contar. O orfanato deveria ter uma administração voltada a buscar apoio junto ao próprio governo – ou na sociedade na qual está inserida – ao invés de investir no clichê de que apenas os ocidentais podem salvar o mundo. Quanto ao drama familiar em curso, as decisões foram tomadas há muito tempo, e se mentiras levaram a enganos e desencontros, esses merecem ser desfeitos com afeto e envolvimento, e não através de outras ilusões e imposições.

Deve ser difícil para Julianne Moore, uma das mais talentosas atrizes da atualidade, ser casada com um profissional da mesma indústria que ela, porém dono de um potencial muito aquém ao dela. Talvez por isso ela se dedique tanto aos projetos do marido – este é o quarto que faz sob seu comando – mesmo que o conjunto não faça jus ao seu envolvimento. Depois do Casamento consegue o feito de tornar a versão anterior, que já não era tão memorável, ainda melhor, pois as mudanças agora promovidas – como a troca de sexo dos protagonistas – se mostram ainda mais submissas ao estereótipo. Com uma direção nunca mais do que protocolar, Freundlich faz do seu filme uma obra opaca, que desperdiça o potencial dos envolvidos e empalidece diante qualquer comparação, seja pelas conclusões pouco criativas que oferece, como também pelas poucas inovações que ousa se arriscar. Em suma, não chega a ser de todo mal, ainda que nunca consiga alcançar um patamar além do descartável, tanto pela sombra pela qual transita como pela visão limitada através da qual se desenvolve.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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