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Sinopse

Nos arredores de Paris, no início dos anos 1970, um jovem estudante é pego em uma manifestação política. Mas, assim como seus amigos, ele está dividido entre um compromisso sério com a causa e suas questões pessoais.

Crítica

Filmar a geração de 1968 ou mesmo qualquer movimento estudantil é quase sempre uma “gerência ingerenciável”. O risco de desmanche do espírito da geração é grande. Gilles (Clément Métayer) é um desses jovens autônomos, cheio de ambições artísticas e revolucionárias. Ele é o personagem central de Depois de Maio, de Olivier Assayas. E começa de maneira não menos complicada de ser concebida: manifestação de jovens nas ruas, pichações e pedras, máscaras e repressão policial, bombas de efeito dispersivo e cavalos. É uma sequência de uma força simbolicamente gritante, mas o filme não vai se desenvolver estritamente no processo de revolta, vai operar na consciência dos personagens, em um período de vários movimentos articulados (tempo, questionamento do presente; arte, o cinema em particular, se entrelaçando como meio de auxílio às ideologias). São imagens que pedem uma devoção quase religiosa, dedicada a explicitar as diferenças e as vontades que moldam o ambiente revolucionário juvenil. De fato, Gilles vive as contradições de sua política e de sua ética, mas também de seus sentimentos. Ele manteve uma relação com Laurie (Carole Combes) até o dia em que ela parte da França para Inglaterra. Depois, entre os amigos do Liceu, se envolve com Christine (Lola Créton), mais jovem, mais próxima dele. Vivendo a tensão entre uma ausência e uma presença, a Gilles resta então seguir andando.

De tudo isso se espera uma representação artística e poética, que não pode ser inocente e deve balizar a estrutura do pensamento a partir de uma estética mais viva, mais pulsante. Nada poderia ser mais perigoso. Assayas está menos interessado em dar aquele sorriso complacente com as ambições da juventude pós-68 e mais em pensar o que sucede a revolução, que rumos tomaram os participantes mais ativos – os que sangraram e os que sorriram, amaram e odiaram. Antes, no entanto, é preciso colocar algumas perguntas. Mas que juventude é essa, quem são esses personagens, onde residem suas forças e suas fraquezas, seus desejos e suas angústias? Por que são assim suas ideias, algumas tão vigorosas, outras simplesmente ingênuas? Para onde eles vão? São questões de um filme inteligente e que se preocupa em posicionar seus dilemas. São saudades do presente. Uma beleza inexpugnável.

Mas há sempre um olhar pré-operatório que pretende desconectar o filme de sua condição enquanto ficção sem proceder corretamente com a anestesia, deixando alguma parte vulnerável, sensível a argumentações apressadas em nome de algum “realismo”. Não se pode jogar a criança fora com a água banho. Isto é, por mais que seja colocada a questão da juventude que se criou junto dos acontecimentos políticos que tomaram países centrais da Europa (particularmente a França) nos anos 1960 e 1970, nenhum movimento estudantil comporta mais do que suas próprias inquietações e limitações, e o filme percebe isso. Se a inquietação é o que alimenta esse desejo político carregado de “materialismos”, o limite de qualquer movimento é a consciência utópica que não pode cessar. E Depois de Maio começa ali onde a própria ideia de mudança (afirmação dos direitos, emancipação, igualdade), nos anos que se seguem ao Maio de 68, encontra seus limites: limites que abrem outra potência, de destinos identitários também flexíveis e grupos de resistência nunca facilmente enquadráveis. Por enquanto, já podemos perguntar, ainda de maneira simplista, o que acontece após a revolução?

Por um lado, não há muita coisa além das reuniões bagunçadas, insolúveis, irreconciliáveis com qualquer bom-mocismo. Na gênese de qualquer articulação política está sempre a possibilidade de suas contradições, que são inerentes a própria ideia da relação entre a coisa política e o humano. Assayas, mais que filmar essa dialética, cria uma estrutura tal que as tensões se estabelecem de maneira pouco romântica, ao contrário, não há qualquer interesse em fazer do movimento estudantil um ideário de impossibilidades de uma rebeldia vazia de si – precisamente porque aquilo que ele filma é o esgotamento e a renovação de vários processos históricos que reivindicam o preenchimento do Ser, no fluxo da História que marca a vida de cada um. Os jovens são assim mesmo, movidos e moventes, inconsequentes, mas cientes. A juventude, ou mesmo a ideia de juventude que Assayas projeta, é ancorada na ruptura com a ordem e no espaço que ela abre para as novas vivências: há muito que se experimentar, sobretudo um registro das partilhas, crises de caminhos, sexos e violência.

E aí os anos 1970 chegam, algumas histórias se perdem, outras se conectam, os sonhos persistem, o espírito de revolta tenta revitalizar sua consciência sem abandonar as lutas. Mas sobretudo as pessoas estão buscando aquele espaço só seu. Também vivem. Não há nada de especial. Aliás, apesar das aparências mais imediatas e de todo um “colorido” que compõe o pano de fundo, é bastante duro o olhar de Assayas sobre os personagens: estão sempre diante de conflitos, seja com a polícia, com os amores ou com eles mesmos. E que pano de fundo! A música e as mais diversas manifestações artísticas e políticas estão também numa fase de transição ou em vias de surgimento: a Nouvelle Vague, o underground dos Estados Unidos, a pop art, a chegada do homem chega à Lua, Woodstock, o feminismo, o Super-8, o vídeo, Martin Luther King, Che Guevara, Mao, os protestos contra a Guerra do Vietnã etc.O que Depois de Maio mostra é o conteúdo disso tudo, seu reflexo. A aura das revoltas é sempre construída na posteridade. Logo após a rebelião social, tudo o que existe é uma frequência de vida. Que pulsa.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do RS. Edita o blog Tudo é Crítica (www.tudoecritica.com.br) e a Revista Aurora (www.grupodecinema.com).
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