Crítica
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Sinopse
Em Depois da Caçada, Alma Olsson, professora de filosofia na Universidade de Yale, EUA, se vê no centro de uma crise ética e pessoal quando sua aluna Maggie acusa outro professor, seu amigo de longa data, de agressão sexual. À medida que os conflitos no campus se intensificam, segredos obscuros do passado da protagonista ameaçam vir à tona, desafiando os limites entre lealdade, justiça e convicção. Crime/Drama.
Crítica
Ele está um pouco alto. Bebeu talvez uma ou duas taças a mais, mas nada exagerado, a ponto de dar escândalo. Sabe que está na hora de parar, e por isso decide ir embora. Ela reconhece quando a festa chega ao fim, e também se encaminha para partir. Os dois decidem sair juntos, caronas são oferecidas. Estão rindo, se divertindo, talvez até mesmo flertando um com o outro. O que aconteceu depois de terem dado adeus e da anfitriã ter fechado a porta, ninguém sabe ao certo. A moça passou o dia sem aparecer, nem mesmo responder chamadas, e apenas à noite surge sem avisar, visivelmente transtornada, alegando ter sido abusada pelo homem que até então acreditava ser seu amigo. Ele, ao saber das acusações, nega veemente. Mas essas posições não importam agora. Quem está certo? Quem está mentindo? Tanto faz. Em Depois da Caçada, as atenções se voltam para as reações da terceira ponta deste suposto triângulo (seria um quarteto? Ou até mesmo cinco ou mais os envolvidos?). Aquela que os recebeu no momento de descontração é também a quem ambos recorrem nesse instante posterior de desespero. Alma é o nome dela, e essa escolha narrativa não parece ser ao acaso. No filme de Luca Guadagnino, tudo é posto em cena com um propósito. Ao espectador, esmiuçar estas pistas e suas possíveis conclusões é uma tarefa que muito exige, na mesma medida que também entrega.
Alma é interpretada por Julia Roberts, e não chega a ser surpresa perceber que, dentre um elenco de peso como o aqui reunido, é ela a protagonista. Mesmo sem alcançar todas as notas, sua investida se mostra decisiva na formação desse elo entre público e trama. Alma é amiga da vítima e do acusado. Por outro lado, tem tantos motivos para desconfiar como para desejar que saiam do jogo, por assim dizer. Essa é a expressão precisa, como num tabuleiro de xadrez, no qual cada movimento deve ser pensado à exaustão, antecipando seus desdobramentos e consequências. Há mais a ser dito sobre os aqui citados. Hank (Andrew Garfield, outro que transita entre o excesso e o limite do necessário), o homem no centro da discussão, é branco e hétero, além de ser professor em Yale – profissão e lugar que compartilha com Alma. Os dois estão passando por um processo delicado de avaliação interna, e apenas um será promovido. Maggie (Ayo Edebiri, a mais surpreendente do conjunto, provocando tanto empatia quanto desprezo), por sua vez, é uma jovem negra e queer. Ah, e aluna na mesma instituição. Entre ela e a professora há uma evidente tensão sexual, até que se saiba nunca concretizada. Seria indicativo de uma rejeição, ciúmes ou motivações de vingança? Uma se coloca na posição de mestre, a outra é sua aprendiz. Mas essa não tem se mostrado à altura da mentoria recebida. Alegações de plágio tem sido cogitadas, e a sombra da mediocridade tem dela se aproximado. O investimento da mais velha, portanto, não tem gerado o retorno esperado. Retirá-la de cena evitaria, enfim, um constrangimento futuro.

Ao observador externo, tanto do lado de cá da câmera, como inserido ao âmbito ficcional, julgamentos apressados se apresentam como armadilhas fáceis. Porém, outras camadas vão sendo reveladas, adicionando complexidade à trama. Maggie não é uma estudante qualquer, e sim filha de um dos maiores doadores da universidade. Seu nome significa poder e dinheiro naquele ambiente. Hank, por sua vez, chegou ao posto que agora ocupa por meio de muito esforço e dedicação, e os empréstimos assumidos durante essa caminhada seguem como lembretes do quanto investiu – e do tanto que tem a perder. Alma, por fim, mais de uma vez se refere a si mesma como uma “vaca fria” – palavras dela – ou mesmo “distante emocional”. Ela se aproxima, mas também sabe manter distância. Ao seu lado está o marido, Frank, que reclama da falta de intimidade marital, ao mesmo tempo em que se mostra cada vez mais enternecido pelas manipulações intelectuais da esposa, numa dinâmica íntima de ganhos e perdas. No final das contas, pouco importa se houve ou não um estupro, se estão todos envoltos por uma mentira ou se há, de fato, uma oportunidade concreta de se fazer justiça. O que fará diferença são as ações de agora, após tudo já ter sido dado como resolvido. O que o passado deles tem a dizer sobre os comportamentos que exibem hoje?
Guadagnino é um realizador do qual a audiência raramente concede irrelevância. Filmes como Me Chame Pelo Seu Nome (2017) ou Rivais (2024) tem gerado debates e controvérsias em suas apreciações e descobertas. Depois da Caçada segue por linha similar. O conflito proposto pode gerar reações imediatas e apressadas, mas como lidar com o que vem na sequência? O caráter cinéfilo do cineasta assume discurso próprio. Dos créditos de abertura – um citação direta a Woody Allen, sobre quem muitos possuem opiniões, mas carecem de fatos que os corroborem – às imagens incorporadas ao cenário, como o pôster do almodovariano A Flor do Meu Segredo (1995) – cuja trama é sobre uma escritora perdida entre os limites da ficção e da realidade – ou a foto do Clint Eastwood direto e acusador de Dirty Harry – e não aquele com dúvidas éticas e morais, visto em Um Mundo Perfeito (1993), ou afeito à sensibilidade feminina, como em As Pontes de Madison (1995) – ao uso de uma trilha sonora que explicitamente afirma ser necessário “uma pele mais dura para lidar com as provações diárias” ou que, no fim do dia, “é preciso saber perdoar”. Por fim, impossível ignorar que o longa encerra com o crédito “Luca Guadagnino’s After the Hunt”, ou seja, como se o cineasta reivindicasse a autoria do que foi visto – algo que deveria ser implícito, sem a necessidade do reforço. Ele também um homem, branco, europeu e privilegiado. E quando mais nada parece simples, uma voz alheia ao tecido dramático afirma de forma incisiva: “corta!”. Terminou? Ou esse é apenas o começo de uma reflexão desse e de outros tempos, anteriores e, é preciso reconhecer, sem data para almejar qualquer tipo de conclusão?
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