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Sinopse

Uma cerca muito alta delimita a propriedade de uma família grega. Os três filhos do casal proprietário nunca passaram dos limites da propriedade, sendo criados apartados do resto do mundo. Todavia, chega um momento em que o crescimento lhes impõe questões que não podem ser resolvidas apenas no seio doméstico.

Crítica

O longa-metragem grego Dente Canino é uma experiência cinematográfica inesquecível. Você pode não gostar da história, pode pensar que tudo que acabara de ver é uma maluquice completa e que os personagens são doentios ao extremo. Não importa. A estranheza da trama é tamanha e a originalidade de tudo o que vemos é tão chocante que o espectador levará aquilo para sempre na memória. Certeza.

É recomendável, para melhor fruição, que o espectador em questão esteja totalmente ignorante do que está para acontecer. Quanto menos se sabe, melhor. Isso porque Dente Canino vai se revelando aos poucos, em cenas e situações para lá de curiosas. Portanto, aqui será revelado apenas o necessário, sem nenhum grande spoiler – mesmo que qualquer sinopse já estrague surpresas por si só em relação a esta produção.

Dirigido pelo marinheiro de segunda viagem Yorgos Lanthimos, Dente Canino tem roteiro do próprio cineasta, assinado ao lado de Efthymis Filippou. Na trama, conhecemos um rapaz (Christos Passalis) e duas garotas (Aggeliki Papoulia e Mary Tsoni) que vivem confinados em uma casa isolada. Eles vivem como irmãos, criados a pulso firme por sua mãe (Michelle Valley) e seu pai (Christos Stergioglou), nunca podendo sair dos limites da propriedade. O único que visita o mundo exterior é o pai, que conta barbaridades das coisas que acontecem na rua – como gatos assassinos e a impossibilidade de andar sem a proteção de um automóvel. Destituídos de contato com outras pessoas, sem acesso a canais de televisão, telefone ou Internet, os três vivem uma vida tranquila. E como não viveriam? Nunca experimentaram nada além das paredes da casa, portanto não sentem falta de nada. A única ponte entre a família e outros seres humanos é a segurança Christina (Anna Kalaitzidou), que é paga pelo patriarca para saciar os ímpetos sexuais do filho. Quando esta figura externa começa a causar problemas no cotidiano da família, nada mais será o mesmo dentro daquela casa.

Yorgos Lanthimos não facilita as coisas para o espectador, que é jogado dentro do cotidiano daquela estranha família sem nenhum salva-vidas. Começamos observando uma interessante lavagem cerebral, realizada com uma simples fita K7, ensinando para as “crianças” (adultos por volta dos 20 e poucos anos) o significado de palavras como “mar”, “rifle” e “autoestrada”. Na deturpada realidade que seus pais lhe apresentam, tais vocábulos significam as mais variadas coisas – uma cadeira, uma flor, uma lâmpada – menos o seu real sentido. Até os aviões que, por ventura, passam no céu, são transformados em brinquedos, que caem de tempos em tempos no pátio (obra da mãe, que joga aviões em miniatura às escondidas).

Totalmente incautos quanto a realidade do mundo, os três irmãos vivem competindo entre si nas mais estapafúrdias provas – quem respira mais tempo embaixo d’água, quem consegue se virar às cegas dentro de casa, etc. É a forma como os pais acharam para manter os filhos ocupados. Mas nem os mais protegidos filhotes conseguem ficar totalmente distantes da realidade. E apenas uma informação de fora pode causar um efeito cascata devastador.

O roteiro não tenta explicar o que leva marido e mulher a blindarem aqueles jovens daquela forma. Nem prova que eles são, na verdade, filhos do casal. As interpretações podem ser as mais variadas. O que é possível entender do filme é que quando se conhece o que o mundo exterior pode oferecer, a curiosidade humana não vê limites para aceitar a oferta. Ou, se você preferir, que uma doença tão grave quanto a que acomete pai e mãe pode ser totalmente ignorada caso ninguém por perto perceba a estranheza do que acontece. Ou que o ser humano aceita qualquer realidade que lhe é colocada a sua frente. Basta usar o condicionamento correto.

Os atores convencem em seus papéis – principalmente os três jovens que precisam voltar à infância para viver seus personagens. Sem pisar no freio em questões sexuais – o que uma produção norte-americana provavelmente faria – Dente Canino também mostra que é possível inibir diversas vontades do ser humano, menos a sexual. Não fosse assim, dificilmente o pai colocaria uma figura externa dentro de casa para aplacar os desejos do filho. Yorgos Lanthimos prende a atenção do espectador do início ao fim, mesmo com um ritmo narrativo lento - principalmente o primeiro ato, que demora para engrenar. Mas a partir do momento que começamos a entender as engrenagens da trama, a curiosidade toma conta e somos apresentados a uma sucessão de cenas muito bem filmadas, enquadradas de uma maneira tão torta quanto seus personagens. Apesar de ser uma história séria, o filme consegue estranhamente provocar risos em alguns trechos, mostrando o burlesco de algumas situações.

Para os desavisados, Dente Canino está longe de ser um programa agradável para um sábado à tarde com pipoca e refrigerante. É muito mais um trabalho que visa gerar discussão sobre as atitudes humanas e sobre a realidade que lhes é apresentada. Não chega a ser um filme-manifesto, mas também não é entretenimento puro e simples. É, como dito anteriormente, uma experiência. E bem estranha. Além de ter sido vencedor do Un Certain Regard do Festival de Cannes em 2009, marcando a primeira vez que um filme grego foi selecionado para uma mostra oficial na prestigiada festa do cinema, foi indicado ao Oscar na categoria Melhor Filme Estrangeiro. Deve ter chocado os acadêmicos mais sensíveis.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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