Crítica


8

Leitores


2 votos 9

Onde Assistir

Sinopse

Ex-astro de rodeio, Mike está sem trabalho. Ele então é incumbido por uma antigo amigo de buscar seu filho no México e finalmente trazê-lo para os Estados Unidos. Um elo se estabelece entre o veterano e o jovem.

Crítica

O cinema de Clint Eastwood está repleto de histórias nas quais um veterano é levado a conviver com um calouro que, de alguma maneira, acaba ocupando o espaço de aprendiz. É nessa troca geracional, não sem a superação de severas barreiras iniciais, que se estabelece um diálogo entre o velho e o novo, entre aquele que chega inexperiente e o que está prestes a ir embora (acabar, morrer) após acumular experiência. É assim em Menina de Ouro (2004), com a pugilista vivida por Hilary Swank rompendo as resistências do treinador turrão para firmar com ele um pacto do qual o homem também sai vencedor, pois se vê “renascer” através da pupila. Não é muito diferente do que acontece em Os Imperdoáveis (1992). Nele, um pistoleiro aposentado é convocado a voltar à ativa acompanhado de um antigo parceiro de matança e de um novato empolgado. O gosto residual desse faroeste é amargo, pois o moço vai aprender que é necessário criar outra forma de viver, não reproduzindo o caminho de morte trilhado pelo personagem de Eastwood. Aquele Velho Oeste acabou e deve ser enterrado pelas próximas gerações a propósito do futuro. Só para citar um terceiro de vários, Um Mundo Perfeito (1993) mostra outra variação do tema. O protagonista assaltante sequestra um menino durante a fuga. Na estrada, que é onde melhor se dão essas trocas, o adulto se enternece e a criança acaba ganhando um pai substituto. Todas essas conexões têm um curto prazo de validade. O tempo acaba sempre se esgotando.

Em Cry Macho: O Caminho Para Redenção, Clint Eastwood reforça a sua afeição por esses homens crepusculares que são duramente afetados pela obsolescência inevitável. O filme começa com a sentença de que Mike (Eastwood) não serve mais para trabalhar no rancho do amigo de longa data: “é preciso sangue novo”, diz o patrão que coloca um ponto final na trajetória dessa lenda dos rodeios como especialista de cavalos da região. Não à toa, essa cena é registrada num ambiente interno, pequeno e escuro, ou seja, contrário à extensão luminosa dos espaços consagrados ao faroeste. Assim, uma impessoalidade determina a ruptura que sobrepesa a velhice do protagonista. No entanto, logo ele será incumbido de uma tarefa importante. Para convencê-lo a buscar um jovem rebelde no México, seu antigo empregador recorre imediatamente ao código de honra, mencionando dívidas morais decorrentes das ajudas do passado. E ele consegue a irrestrita adesão do cowboy. Eastwood com isso sublinha outra recorrência em seus personagens endurecidos pelo tempo: eles não quebram promessas e vão às últimas consequências para cumprir as suas missões. Como o persistente piloto de Sully: O Herói do Rio Hudson (2016), Mike não hesita diante da negativa da ex-esposa do amigo/patrão, das dificuldades de estar num país estrangeiro e tampouco quando parece ter encontrado algo para recomeçar. Sua palavra vale mais que as promessas de segurança ou as possibilidades inesperadas de uma nova felicidade.

Há imagens muito bonitas em Cry Macho: O Caminho Para Redenção. Uma delas é a do deslocamento do protagonista na estrada ao ser acompanhado pelos cavalos selvagens que correm no campo como se estivessem saudando um antigo companheiro. Já ao chegar ao México, Mike se depara com a mulher com pinta de mafiosa que tenta seduzi-lo, uma mãe que dimensiona o tamanho de sua missão ao considerar o próprio filho “um monstro”. Não é bem assim ou, pelo menos, não é bem assim que o filme nos apresenta Rafael (Eduardo Minett). Apesar de sua evidente rebeldia, o menino não é um bicho papão. Eastwood enfatiza que o jovem está bem mais para alguém carente de afeição, pois se trata de uma criança abandonada pelo pai e negligenciada pela mãe. Portanto, quando esses insólitos companheiros de viagem caem na estrada em direção à fronteira com os Estados Unidos, jovem e velho criam um vínculo renovador para ambos. Eastwood segue à risca a trajetória contemplada e reafirmada nos filmes antes mencionados, os que também se fundamentam numa troca geracional profunda. As animosidades iniciais vão dando lugar à insuspeita compreensão, as ressalvas adquirem outra densidade e os dois se abrem à experiência durante o deslocamento. E Mike é, como outros sujeitos vividos pelo norte-americano, alguém que já teve família, mas a perdeu. Aos poucos, o filme adquire um tônus evidente de faroeste, gênero do qual Eastwood é um remanescente dos bons e antigos tempos.

Cry Macho: O Caminho Para Redenção não chega a ser tão emocionalmente intenso como Gran Torino (2008) – outro filme de Eastwood em que veterano e calouro aprendem a conviver, mas no qual as diferenças culturais explodem de modo mais definitivo. Aos 91 anos, o homem que já representou o mais emblemático lobo solitário do western spaghetti (na trilogia do Homem Sem Nome, de Sergio Leone) e o policial mais casca grossa e controverso dos Estados Unidos (na saga Dirty Harry) está agora interessado em mostrar a gentileza se impondo num cenário abrasivo. O deserto mexicano pode ser cruento, mas também aconchegante. As mulheres locais podem ser agressivas e impositivas, como a mãe de Rafael, mas também demonstrar sua força inerente por meio da amabilidade, como a dona do restaurante que acolhe os viajantes. As autoridades são um empecilho para que as coisas funcionem no filme, não sendo tão diferentes dos capangas toscos que repetidamente tentam boicotar a jornada. O galo Macho é um símbolo e tanto, pois luta quando necessário para subsistir e a fim de proteger os seus, mas não resiste aos carinhos do velho cowboy que instintivamente se identifica com sua dualidade. Clint Eastwood é um verdadeiro monumento de Hollywood, uma lenda vida que segue fiel a seus princípios. Perto do centenário, ainda nos oferece um filme bonito que reafirma o seu apreço pela lealdade e por uma vida simples, na qual é essencial negociar com os fantasmas do passado, bem como se comunicar claramente com as pessoas do presente. É preciso estar aberto e atento para aprender com o outro.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deMarcelo Müller (Ver Tudo)

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *